A cavaleira tauromáquica Mara Pimenta fala sobre as dificuldades enfrentadas durante a pandemia. Deixa explícito que a sua carreira será movida pelo amor à profissão e não pelo dinheiro e afirma que a tauromaquia é muito importante para a economia prometendo que, assim que a situação se recomponha, voltará com “tudo”.
Os ganaderos foram “um dos setores mais afetados” durante esta pandemia, disse João Santos Andrade, atual presidente da Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide. Muitos dos 205 touros disponíveis da Raça Brava de Lide, de 2015, não serão lidados. Para ajudar, o Governo tomou a decisão de aumentar o IVA dos espetáculos tauromáquicos. Qual o impacto que prevê depois destes prejuízos?
É indiscutível que vamos ter muitos prejuízos, aliás, já os estamos a ter.
Quem aguentou até agora vai aguentar até ao final. Mas sim, principalmente os ganaderos porque, basicamente, os touros que refere de 2015, que se criaram até agora e que, supostamente, iam ser lidados a partir dos quatro ou cinco anos, idade ideal para um touro ser lidado, não o vão ser. Quando os touros ultrapassam esta idade, os toureiros não quererão toureá-los porque é muita idade para um touro. Conforme os anos passam, sendo os touros animais que vão aprendendo, torna-se muito mais complicado para nós, toureiros, fazer o nosso espetáculo. Em relação ao IVA, é mais uma dificuldade, mas essa questão vai ser reposta. Não querendo afirmar, em princípio, vai voltar a reduzir. Ainda há a possibilidade de termos espetáculos este ano.
Por isso, quero acreditar que nem tudo é mau, apesar desta situação. Não
quero pôr isso em primeiro lugar, mas sim a saúde pública. Acho que é melhor aguardarmos até termos todos as condições reunidas e depois, sim, dar os espetáculos, seguindo as normas.
Quantos espetáculos tinha agendados para este ano?
Este ano seria muito importante para mim: 2020, o ano da minha alternativa, no dia 5 de abril. Não foi (suspiro), já nem vai ser. Já não quero tomar a alternativa este ano, mas ia ter bastantes espetáculos, aliás, já tinha iniciado a minha temporada, em março, em Alcochete. Deixei um bom ambiente. (pausa) Depois surgiu o vírus e a quarentena, mas já tinha imensos espetáculos para toda a temporada, inclusive em
agosto e setembro, que, caso autorizem as corridas este ano, ainda os farei.
Segundo a entrevista que deu à Tauronews, no fim do ano passado, a Mara referiu que 2020 seria o ano da concretização da sua alternativa, tal como salientou na resposta anterior. Infelizmente, esta não se concretizou no tempo previsto, como disse. Quais são as suas expetativas para as próximas touradas depois deste embate?
Se voltar a haver corridas, acredito que não seja nos moldes normais, acho
que vai ser a 50%. Seria muito bom se conseguíssemos lotar as praças com
essa. Existem praças, como o Campo Pequeno que, com meia casa, já é um
espetáculo bom, ou como em Santarém, a maior praça de Portugal e a que
leva mais pessoas.
Quando toureei pela primeira vez no Campo Pequeno, o ano passado, não estava de todo à espera de como iria ser, mas, se voltar a tourear este ano, será completamente diferente para mim e para o público. Toureei numa novilhada e, se entrar na temporada de 2020 no Campo Pequeno, penso que será noutros moldes: numa corrida de touros. Tourear na capital é sempre tourear na capital, é Lisboa! Por isso, dentro de toda a situação e a fase má que estamos a viver, acho que ainda há uma parte boa que devemos saber
aproveitar.
Referiu também que iria manter o apoderado e a quadrilha. Com isto, pergunto quais são os procedimentos necessários, desde a escolha do melhor touro e cavalo, preparação da arena e staff, atração do público, para montar uma boa corrida?
Há um conjunto de características que têm de estar reunidas para que as coisas funcionem. No meu caso, como toureira, levo a minha equipa como se fosse a minha família. Acho que, para além do profissionalismo, devemos ter em conta que esta é uma arte em que corremos riscos. Eu corro risco de vida cada vez que entro na arena, lá para dentro, e os meus colegas que me acompanham, a minha quadrilha, o meu apoderado, o meu pai, fazem todos parte da minha.
Se não tivermos unidos como uma família, as coisas não funcionam. Isto, associado ao treino diário que tenho, para que seja um bom espetáculo, tem
de haver um conjunto e não um “eu” ou um staff.
Tenho facilidade em chegar ao público, não sei se é por ser mulher, sinto
muito carinho. É verdade que, se num quartel estiver o Diego Ventura ou o
Padeiro Moço, que são figuras a nível mundial, os restantes toureiros que
toureiam com essas figuras vão ter a mesma visibilidade que eles. É muito
bom entrar num quartel, por exemplo, com o Diego Ventura que é o melhor
toureiro para mim e com quem mais me identifico.
Qual a melhor raça de cavalos? E de onde vêm os melhores touros?
É muito relativo falar sobre isso. É como uma melancia (risos) porque,
mesmo escolhendo, nunca sabemos o que está lá dentro. Por exemplo, acredita-se muito num touro que é baixinho, bonito, córnea fechada, mas
depois, em praça, não é o que esperávamos. E um cavalo é igual! Seja a raça
que for, tudo depende de “quando ele quer”. Às vezes, há cavalos que não se podem escolher a dedo.
Basicamente, tentamos escolher as melhores linhas, mas nunca sabemos se vai funcionar. Só com experiência, trabalho e dedicação é que chegamos a ver quando um cavalo tem todas as aptidões. No meu caso, tenho um cavalo muito bom, Vigário, mas, lá está (risos), às vezes, funciona comigo e pode não funcionar com outro toureiro. Isso depende muito de pessoa para pessoa.
E quanto à preparação psicológica e física de um cavaleiro?
(Risos) Acho que essa é a parte mais difícil. É essencial, é muito importante
que um toureiro esteja bem física e psicologicamente. Não há uma preparação, é um conjunto de bem-estar familiar e também financeiro, não é? Porque isto é uma vida com muitos custos e temos que estar bem preparados, ter a cabeça limpa e saber que existe uma preparação diária para esta prática, que não é algo que vem “contra a maré” que pode
deitar-nos abaixo.
Sendo a única mulher cavaleira do concelho de Almeirim, alguma vez
sentiu discriminação, sendo o Ribatejo uma região tão tradicionalista?
Não! Nunca senti que as pessoas fossem contra ou que não apoiassem.
Nunca senti discriminação em relação a isso, muito menos por ser do Ribatejo, nem por ser de Almeirim. Antes pelo contrário, tenho muito apoio das pessoas daqui, reconhecem-me na rua quando passo. E isto acontece de Norte a Sul. Pode haver pessoas que não gostem, mas ainda não cruzaram o meu caminho.
Que “ainda” é longo…
Ainda me falta bastante!
No blogue Farpas Blog disse que começou a montar cedo e que, instantaneamente, se apaixonou. Explique-me como surgiu o seu amor pelas touradas.
Corre-me nas veias! Não tenho antecedentes na minha família. Desde pequenina que via na televisão corridas de touros e dizia à minha mãe que queria ser toureira. Montei a primeira vez quando tinha dois anos, por aí. Comecei a fazer equitação entre os oito e dez anos. Desde que comecei a montar, nunca mais parei, mas, no início, só fazia equitação. Depois, passei para a tauromaquia.
A Mara não só é cavaleira, como também estudante do Instituto Superior de Línguas e Administração de Santarém. É difícil conciliar os estudos com a tauromaquia?
É sempre difícil! É difícil conciliar duas coisas às quais temos de dedicar tanto tempo da nossa vida, mas, quando se quer, tudo se consegue e é o que tenho estado a fazer. A faculdade tem corrido bem. Neste momento, estamos um bocadinho parados, mas, quando voltar ao ativo, voltarei com tudo!
De acordo com o Público, o PróToiro – Federação Portuguesa da Tauromaquia registou que, em 2019, cerca de 469 mil pessoas assistiram a touradas, em 207 espetáculos. No decorrer da sua carreira (até hoje), as expetativas têm sido correspondidas?
Sim, penso que temos bastante afición, imensas pessoas a aderir a este espetáculo e gostam. É claro que também temos as que não gostam, como tudo, mas penso que sim, faço um balanço positivo.
Em média, ainda segundo o jornal Público, vão a uma corrida cerca de 2793 pessoas. Quais são os critérios que levam a Mara a manter a escolha desta atividade face aos custos de um espetáculo, as oscilações de espetadores, os custos pessoais de um cavaleiro, nomeadamente, cavalos, auxiliares e instrutores?
Isto é uma profissão que fazemos, como se diz, por “amor à camisola”. É
claro que temos os nossos gastos, desde funcionários para os cavalos, tratadores, entrançadores, chofer, gasóleo para ir para uma corrida, o nosso trabalho diário. Fazemo-lo por sentirmos e gostarmos.
É uma carreira e temos que assumir os gastos e tudo mais, mas é sobretudo uma profissão que se faz por amor e não por dinheiro.
Partidos políticos como o PAN e alguns deputados são a favor da abolição das corridas de touros. Acha que esta medida é um insulto ao seu título profissional?
Não quero entender isso como um insulto porque, assim como eu gosto, não vou julgar quem não gosta. Agora, o que não posso permitir, não gosto e
para mim é insulto, é que tentem abolir. Não imponho que outras pessoas façam algo que não gosto. Se gosto do que faço, tenho a minha profissão,
tenho tantos aficionados e pessoas a gostarem, por que não haveremos de
continuar? Para mim, é cultura! Agora, como anda a circular, todos dizem que a cultura não censura e é verdade! Acho que esses partidos podem não aceitar, têm esse direito. Mas não têm o direito de acabar com esta arte que fazemos há tantos anos.
Em relação á cultura, não tenho dúvidas que mexe muito com a economia. Se formos a avaliar bem, as corridas de touros dão emprego a muitas famílias, dão de comer a muitas crianças. Por exemplo, no caso das
famílias com ganaderos, toureiros, não é que tenhamos muitos custos, mas temos o que sobra, não é? E depois há que pensar em todos os postos de trabalho que uma corrida de touros proporciona: os seguranças, os que vendem bilhetes, os que criam folhetos, os que publicitam, os que organizam os espetáculos. É claro que influencia a economia!
Entrevista de Luana Pintor publicada na edição de 15 de agosto