Mariana Freire tinha 21 anos quando decidiu deixar a família e amigos a uns milhares de quilómetros de distância para ajudar os outros. O destino desta futura médica foi Moçambique. E revela a O ALMEIRINENSE que esta experiência teve impacto naquilo que será a vida profissional.
Como surgiu a ideia de fazer voluntariado?
O voluntariado foi algo com que sempre tive contacto desde pequena por causa dos escuteiros, claro que eram ações de menor duração. Em 2019, fiz voluntariado pela primeira vez durante uma semana através da iniciativa da Câmara Municipal de Almeirim – “Projeto de voluntariado jovem”.
Porquê Moçambique?
Ao entrar na Faculdade de Medicina, em 2020, e sendo o voluntariado algo que gostava de fazer e dedicar o meu tempo livre, decidi participar em vários projetos organizados pela associação de estudantes (AEFML). Estas ações de voluntariado consistiam em dar formações sobre saúde nas escolas e em comunidades. Através da AEFML, conheci o projeto “Medicina Mais Perto: Moçambique”. Este consiste na articulação e cooperação com associações parceiras locais, contribuindo para a formação, capacitação, desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida da população alvo em Moçambique. Esse projeto é desenvolvido em trabalho de campo com duração de quatro semanas, realizando formações, fazendo rastreios e dinamizando atividades pedagógicas com as crianças. O principal objetivo é permitir que a população obtenha uma maior literacia em saúde, e com isso, diminuir as problemáticas sociais associadas à falta de conhecimento, nomeadamente alta taxa de infeção por HIV, a gravidez na adolescência e a falta de adesão à terapêutica. Como gostei imenso dos objetivos do projeto e dos testemunhos que ouvi de pessoas que foram na edição anterior decidi candidatar-me para participar na edição de 2023. Passamos por várias etapas de seleção onde, além de ser avaliada a nossa personalidade e a forma de trabalharmos em equipa, íamos tendo formações sobre as temáticas que iríamos realizar lá de forma a estarmos o mais capacitados possível.
Como correu a experiência?
Durante todo este processo, tanto os meus familiares como amigos apoiaram a minha decisão de participar. Fui na segunda equipa em trabalho de campo e estive lá de 13 de agosto a 11 de setembro de 2023. Ficamos na cidade da Matola. A experiência foi muito marcante, desafiante e sinto que aprendi muito sobre pessoas, sobre outras realidades, e acima de tudo, a capacidade de adaptação para conseguir chegar às pessoas, dado que algumas delas falavam muito pouco de português e comunicavam muito mais em changana (Dialeto local) e os recursos pedagógicos são muito mais escassos. Relacionado com isso aprendi a gostar imenso de dar as formações sentada no chão a desenhar e a explicar tudo apenas com giz.
Quais os episódios mais marcantes ?
Um dos momentos que mais me marcou em trabalho de campo e percebi o impacto que tínhamos foi ao dar uma formação sobre eventos cardiovasculares (AVC, enfarte e trombose). No final da mesma, uma das pessoas que estava a assistir, veio ter comigo e disse que ia começar a tomar a medicação para Hipertensão que lhe tinha sido prescrita e que não estava a fazer porque não entendia a importância desta. Isso mostrou-nos que, ao dar a oportunidade às pessoas de terem literacia em saúde, permitimos que tomem decisões mais conscientes e que, a longo prazo, têm um grande impacto na sua vida.
E pela negativa?
Em relação aos pontos negativos é algo que é inevitável que existam em projetos desenvolvidos noutros países com menos recursos, foi algo que aprendi a lidar ao longo do trabalho de campo e mesmo quando cheguei a Portugal. Foi extremamente importante o apoio e as conversas com o resto da equipa que estava connosco devido ao debate interno que acontece sobre oportunidades e os privilégios que temos por nascer em Portugal.
Tem ideia de voltar a sair para fazer voluntariado?
Tenho a certeza de que o Trabalho de Campo teve ainda impacto na futura profissional de saúde que vou ser. Vi, em primeira mão, a importância da literacia em saúde e da empatia com os doentes. A medicina em Moçambique ainda é algo muito rudimentar e pouco direcionada individualmente, e ter a oportunidade de mostrar à população que os cuidados podem ser mais humanizados e dar-lhes conhecimento para que possam estar mais informados, foi algo marcante. Por achar este projeto tão importante, no ano seguinte, estive na organização do projeto, garantindo que outros estudantes poderiam viver esta experiência. Tenciono continuar a envolver-me em projetos de voluntariado, podendo estes ser ou não na área da saúde e em Portugal ou fora. Gostaria de dizer que, se tiverem a oportunidade envolvam-se em projetos de voluntariado, especialmente na vossa comunidade. Para ser voluntário não é preciso ir para a outra ponta do globo, basta ter vontade e tempo para dedicar aos outros, o projeto ideal pode ser feito na nossa própria comunidade.