‘O aquecimento global tem impacto na infância?’, por Teresa Gil Martins

Todas as notícias relacionadas com a COP29 (29ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas) no Azerbaijão vêm reavivar as preocupações relacionadas com as alterações climáticas.

A experiência individual, o senso comum e a ciência apontam para a noção do aumento gradual das temperaturas médias sentidas em todo o mundo. Estas, por sua vez, são as responsáveis pelo aumento das catástrofes naturais que se têm generalizado a todo o Planeta, nomeadamente inundações, tempestades, furacões, fogos florestais de grandes dimensões e aumento do número de zonas desertificadas. 

O aquecimento global e as ondas de calor cada vez mais frequentes e duradouras também aquecem todas as células e sistemas do corpo humano, com consequências fisiológicas imediatas: aumentam a frequência cardíaca e provocam fadiga. A redistribuição do sangue para a pele e a transpiração permitem perder esse excesso de calor, mantendo a temperatura corporal em níveis estáveis, compatíveis com a vida. A procura de locais frescos e a ingestão acrescida de água complementam essas medidas. Contudo, existem limites para a nossa tolerância. Picos elevados ou persistentes de temperatura podem provocar desidratação e golpes de calor, que são responsáveis por náuseas, dores de cabeça, lesão cardíaca e renal. Nestas situações, a falência desses órgãos pode ocorrer a curto prazo. Sequelas a longo prazo podem persistir durante anos e incluem disfunções cognitivas e orgânicas.

Durante a gravidez, as altas temperaturas exteriores facilitam a desidratação e reduzem o fluxo sanguíneo na placenta, o que aumenta o risco de nascimentos prematuros com muito baixo peso ou, em última instância, a própria morte fetal. Crianças que nascem prematuramente correm maior risco de ter problemas de desenvolvimento, atraso de crescimento e, na vida adulta, doença cardiovascular e diabetes. 

Os mecanismos de regulação da temperatura são mais imaturos nas crianças, que também não possuem a autonomia indispensável para manter uma hidratação adequada, tornando-as mais vulneráveis à desidratação e aos golpes de calor. Por outro lado, o calor excessivo diminui o tempo de reação e de concentração, o que aumenta as dificuldades de aprendizagem; diminui a possibilidade de brincar ao ar livre e os ensinamentos que lhe são inerentes; aumenta o sedentarismo e o risco de doença cardiovascular; aumenta a irritabilidade e os comportamentos violentos; diminui o controlo das emoções. Por maior desconforto, a qualidade do sono deteriora-se, o que contribui para uma diminuição da capacidade de concentração diurna, instabilidade emocional e desregulação do apetite. Consequentemente, a aprendizagem e a saúde mental ficam sob ameaça e o risco de obesidade aumenta. Se antes era possível conciliar o mês de maior calor com as férias escolares, períodos mais prolongados de altas temperaturas requerem medidas adicionais de proteção, que incluem a reconstrução de muitas infraestruturas escolares, habitacionais e dos espaços exteriores.

Para além destes efeitos individuais, o aquecimento global aumenta a frequência e a severidade dos desastres naturais e interfere com a qualidade do ar. O fumo provocado pelos fogos florestais e o aumento da poluição atmosférica são responsáveis pela agudização e agravamento das doenças respiratórias (tais como a asma), pelo aumento da incidência de cancros e de outras doenças crónicas. Para além da devastação humana, os desastres naturais arruínam as culturas, contaminam a água potável, interferem com a reprodução e o crescimento dos animais e com a produção de leite e de ovos, o que tem impacto profundo na cadeia alimentar. A desertificação diminui a disponibilidade de água potável e de alimentos. O excesso de calor também permite a proliferação e disseminação de insetos que transmitem doenças infeciosas graves. Por possuírem menos recursos, as famílias mais desfavorecidas a nível socioeconómico têm menos oportunidade de se adaptar às condições climatéricas adversas. A miséria e a fome espoletam inúmeras migrações em todo o mundo, com ameaças sérias e transversais a países subdesenvolvidos e desenvolvidos. As consequências na saúde e no desenvolvimento das crianças são inevitáveis a curto e longo prazo em todo o mundo. Os encargos económicos inerentes são imensuráveis.

É imprescindível investir em medidas que minimizem as emissões de carbono, melhorem a qualidade do ar, aumentem a reciclagem, diminuam o consumismo desenfreado e fomentem o desenvolvimento de fontes de energia alternativas sustentáveis. Para nos adaptarmos às alterações climáticas, são ainda necessárias medidas que permitam, de forma equitativa, construir habitações mais adequadas e refrescar os espaços exteriores. Financiar o uso de materiais isolantes na construção das casas, incentivar o uso de superfícies brancas, refletoras ou permeáveis nos telhados e pavimentos, fomentar a instalação de estruturas que refresquem e ventilem as habitações e criar mecanismos acessíveis que evitem o desperdício e promovam o reaproveitamento da água constituem exemplos de condições que podem salvar vidas e poupar dinheiro. Aumentar os espaços verdes e as zonas de sombra dentro das cidades, plantando árvores com copas largas, criando superfícies cobertas com vegetação e mais piscinas comunitárias constituem medidas complementares que permitem aumentar a tolerância ao calor e manter a indispensável vivência ao ar livre nos períodos mais quentes.

Sucedem-se as notícias de imagens impressionantes de catástrofes naturais que não deixam ninguém indiferente, como as de Valência na vizinha Espanha, ou as dos incêndios ocorridos, recentemente, em Portugal, entre muitas outras. Embora muitos políticos continuem a mostrar-se céticos e relutantes, é indispensável inverter o rumo desta situação, como não se cansa de relembrar o eng. António Guterres, presidente da Organização das Nações Unidas. É necessário sensibilizar e alertar a comunidade, incentivando a manutenção de condutas comportamentais individuais sustentáveis. Mas a solução está absolutamente dependente da implementação de políticas globais e nacionais sustentáveis e equilibradas, capazes de abdicar de grandes interesses económicos em detrimento da proteção dos mais carenciados. Trata-se de um enorme desafio que requer lideranças mundiais e nacionais muito fortes, isentas e bem formadas, habilitadas para cooperar em prol do Bem Comum.

As crianças, as grávidas, os indivíduos com doenças crónicas, os idosos e os grupos socioeconómicos mais desfavorecidos são os mais suscetíveis, mas é a própria sobrevivência da Humanidade que se encontra ameaçada, pelo que urge protegê-la enquanto é tempo. 


Opinião, por Teresa Gil Martins