‘A “Taxa Lisboa” rumou a Sul’, por Clara de Freitas

Como estudante em Lisboa experiencio diariamente aquilo a que chamo a “Taxa Lisboa”. No último ano o povo português familiarizou-se com o problema imobiliário em Lisboa, pelo que não é segredo o preço exorbitante das rendas lisboetas. Mas, a “taxa Lisboa” não fica por aqui.

Um café bebido em Lisboa é para mim um café de ouro já que pago uma pequena fortuna pelo mesmo, enquanto na “terrinha” pago um café com os trocos da carteira. Cada refeição em Lisboa paga duas em Almeirim e cada ida às compras, em que adquiro vegetais ou fruta, é capaz de me deixar num estado de desespero quando chega à hora de passar o cartão. Nos últimos tempos a “Taxa Lisboa” foi de férias, tal como o típico português, para sul. Nos meses quentes, especialmente em agosto, basta conduzir em direção ao sul de Portugal para encontrar os carros com matrículas estrangeiras. “Voltaram os emigrantes” penso de imediato.

A caminho da praia verifico matrículas Francesas, Suíças, Belgas ou de Luxemburgo. Os emigrantes portugueses voltam a Portugal para matar saudades do bom tempo, boa praia e boa comida e saem de Portugal com uma lembrança do porquê de terem emigrado. O português gosta de praia e assim que começa o calor a vontade de mergulhar na água do mar, por mais gelada que esteja, aumenta. Assim, com o dinheiro poupado durante o ano, o típico português carrega a casa para dentro do carro e segue caminho.

Já na praia largamos a nota no hotel, casa ou pensão que ao longo dos anos parece ser cada vez maior, porque é. No areal o típico português leva o seu chapéu, as toalhas e a geleira com o “farnel” para alimentar a família durante o dia. Pelo canto do olho observamos estrangeiros sentados nos restaurantes à beira-mar a comer ótimas refeições que na nossa carteira deixavam um enorme buraco. Contentamo-nos então com o pão com queijo e fiambre, as batatas de pacote, a fruta no tupperware e os suminhos. Quando os miúdos pedem uma bola de berlim o português paga os 2 euros e meio por cada bola com os dentes serrados, já a fazer contas.

O que é facto é que agora a praia portuguesa prefere focar-se em receber estrangeiros com os bolsos mais largos enquanto o pobre português fica a olhar. Torna-se fácil distinguir o português do estrangeiro na praia, sem ser preciso olhar para a vermelhidão da pele! O estrangeiro chega com um pequeno saco de praia e aluga um chapéu com o custo de um rim por dia.

O português é como um caracol de casa às costas que tenta freneticamente poupar dinheiro. Até em praias que há anos se encontravam desertas habita agora o espírito da gentrificação. Com valentes condomínios de mansões e hotéis luxuosos o português pode apenas sonhar um dia ter dinheiro para ir de férias de forma “chique”.

Em Portugal, país onde a privatização de praias não é legal, já surgiram as tentativas de criar praias privadas e apenas acessíveis aos que largam notas que o típico português sonha em ter na carteira. “Vá para fora cá dentro”, mas como? A cada ano a pancada de ir de férias aumenta cada vez mais. Se não há dinheiro para ir para fora, e se daqui a pouco não há dinheiro para ir para fora cá dentro, o típico português terá de passar férias em casa. O banho de água do mar será na banheira com sal grosso e o bronze será obtido no quintal.

Clara de Freitas, escritora