Terminaram os jogos da 34ª olimpíada em Paris, uns Jogos que mais do que sobreviveram, elevaram-se perante as várias polémicas com as quais foram coabitando e incomodando quem não estava muito interessado no fenómeno desportivo, desde o fenótipo dos homens na cerimónia de abertura até ao fenótipo das mulheres do torneio de boxe, e quem estava, como a qualidade da água do Sena ou a qualidade da comida na aldeia olímpica.
No final, o grande destaque dos Jogos é, como sempre, a celebração do pináculo da capacidade física da humanidade, personalizado por indivíduos sobredotados como Marchand, Biles, Duplantis, Rinner, Evenepoel, Carrington ou Lopez.
Portugal também consagrou quatro semi-Deus do Olimpo desportivo: Patrícia Sampaio, Pedro Pichardo, Iúri Leitão e Rui Oliveira fizeram história para o desporto português ao protagonizarem a campanha olímpica mais bem-sucedida de sempre com um ouro, duas pratas e um bronze, colocando Portugal na 50ª posição do medalheiro, entre 206 comités olímpicos participantes.
Nada mau para um país que tem 7,2 atletas olímpicos por milhão de habitantes (em contraposição com a Eslovénia que tem 42,9).
Tão ou mais importante do que as medalhas, é interessante notar que a geração de Paris tem em Patrícia Sampaio (25), Vasco Vilaça (24), Isaac Nader (24), Agate de Sousa (24), Ricardo Batista (23), Maria Tomé (23), Gustavo Ribeiro (23), Diogo Ribeiro (19) e Gabriel Albuquerque (18), entre outros, enormes talentos com menos de 25 anos e que podem chegar a Los Angeles um degrau acima daquele em que estavam em Paris.
Mesmo os campeões Iúri Leitão e Rui Oliveira têm agora 26 e 27 anos, respetivamente.
Ou seja, para Los Angeles as expetativas podem ser bem mais altas do que as 4 medalhas e os 10 diplomas. Temos talento para isso, mas não temos tido as políticas certas para potenciar esse talento.
Enquanto não houver uma aposta robusta no alto rendimento – e, numa primeira fase, isso significa melhorar a preparação dos atletas de elite – continuaremos a chegar ao fim de cada olimpíada agarrados a verdadeiros autos de fé em vez de legítimos objetivos.
A comparticipação financeira do estado, via IPDJ, para todo o projeto olímpico 2024 foi de 22 milhões de euros, distribuídos por 4 anos. Só a Federação Portuguesa de Futebol recebe em receitas dos jogos da Santa Casa e ainda apostas online cerca de 35 milhões…por ano. Ao contrário das considerações ofensivas do Presidente da República, reforçar o investimento no desporto (que representa 0,048% do orçamento do estado) não significa onerar os contribuintes. Bastava a criação de um instrumento solidário que revertesse uma pequena parte da receita arrecadada pela FPF com os jogos de azar para podermos ter campanhas olímpicas bastante mais bem-sucedidas.
Mas essa estratégia não se podia ficar por aqui. O atraso cultural que Portugal tem em relação ao desporto não se resolve em quatro anos. O desporto escolar e o desporto universitário são uma inexistência neste país, a gestão dos equipamentos e infraestruturas desportivas privilegia as atividades de lazer e trata o desporto de competição como um subproduto da sua operação, a carreira de atleta, e mesmo a carreira dual, não é minimamente atrativa em Portugal.
No meio de todos estes empecilhos há bons exemplos, por via de stakeholders que também têm as suas responsabilidades: os municípios.
O velódromo de Sangalhos está, 15 anos depois, a revelar-se uma aposta ganha do Município da Anadia que escolheu canalizar verbas comunitárias para esta instalação bastante exótica e controversa, abdicando de construir mais uma ciclovia ou mais um pavilhão transfronteiriço.
A pista de canoagem de Montemor-o-Velho é outro exemplo de potenciação de uma modalidade que, em 2024, não obteve o sucesso de outras edições, mas que ninguém duvida que o vai voltar a obter.
É também aqui que podemos fazer diferente, através de um planeamento territorial desportivo que aposte em infraestruturas de qualidade, bem geridas e em municípios chave.
A esse nível as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional tinham de ter um papel fundamental, mas a partir do momento em que passaram a açambarcar tantas atribuições, também aqui o desporto continuará a ser a menor das preocupações entre os assuntos menos importantes dos decisores políticos.
Entre várias outras áreas, no desporto podíamos fazer diferente para melhor e até podemos fazer mais com o pouco que temos. Há potencial, oportunidades e conhecimento, mas falta serem tomadas as opções que conduzam ao sucesso.
É essa falta de vontade que nos vai arrastar para mais quatro anos de business as usual no que ao desporto olímpico diz respeito. Um marasmo que contrasta com o entusiasmo com que os nossos mais altos representantes viajaram ao Qatar com o propósito de adular as mais altas individualidades da FIFA para ter dois ou três jogos da fase de grupos do Mundial 2030 a decorrerem em Portugal.
É uma pena que a bajulação não seja desporto olímpico…
João Bastos