Na edição anterior, demos conta das razões políticas, sociais e económicas que levaram os portugueses, sob a bênção de diversas bulas papais, principalmente pela “Rex regum” de 4 de Abril de 1418 do Papa Martinho V, a iniciar a sua expansão para o Norte de África, expansão essa iniciada com a conquista de Ceuta, também anteriormente referido, e que até aos finais do século XV levará à conquista de Alcácer-Ceguer, Arzila, Tânger e Beni Boufrah, bem como à descoberta das ilhas desabitadas de Porto Santo e Madeira, respectivamente em 1418 e 1419. Estas foram assim designadas pois a primeira foi porto de salvação de uma embarcação que seguia pela costa africana e que devido a uma tempestade se desviara da rota e a segunda devido à abundância desta matéria-prima. Também o arquipélago dos Açores, totalmente desabitado, será descoberto a partir de 1427.
Esta presença no Norte de África alternava entre períodos de paz, de cercos e guerras. Esta expansão materializava um projecto bem antigo, pensado como um prolongamento natural da Reconquista Cristã, pois parte de Marrocos havia já pertencido aos Visigodos, de quem os reis peninsulares eram sucessores. Enquanto primeiros territórios conquistados pelos portugueses fora do espaço europeu, assegurava-se agora o controlo das rotas marítimas de comércio entre o Atlântico e o Mediterrâneo, e um maior controle da costa portuguesa contra os ataques dos piratas e corsários magrebinos, principalmente após a conquista de Beni Boufrah, na região de Kala, já na zona do mar Mediterrâneo, onde se construiu um castelo de cinco torres no dealbar de 1499, a 200 quilómetros a Oeste de Ceuta. O forte de Beni Boufrah servia para a protecção avançada dos nossos domínios urbanos na costa marroquina atrás referidos, bem como apoiar a armada de galés portuguesa, existente já desde os tempos de D. Dinis e que irá em 1520 evoluir para «Esquadra do Estreito» e será sua missão não só combater piratas berberes e argelinos, mas também proteger o comércio português nas águas do Norte de África. No seu comando muito se distinguiu no século XVIII D. Domingos Xavier de Lima, 7º Marquês de Nisa, seu último almirante.
A grande dificuldade em abastecer o local e a dispersão dos piratas e corsários magrebinos, levou ao abandono e desmantelamento em 1509 da fortaleza de Beni Boufrah. Convém distinguir corsários de piratas, pois os primeiros são marinheiros autorizados pelos seus soberanos a saquear ou pilhar navios e costas de nações inimigas, enquanto piratas são os que praticam acções idênticas de forma autónoma para riqueza pessoal.
Estas conquistas iniciais congregavam a unanimidade da nação portuguesa, pois correspondiam aos interesses dos grupos sociais: do clero, da nobreza e do povo. Foram elas palco de gestos notáveis como o do rei D. João I, que participou na batalha de conquista de Ceuta e aqui armou cavaleiros os príncipes reais e o melhor da aristocracia portuguesa do século XV, momento alto da primeira missa em África; ou da gestão prudente e corajosa da cidade por Dona Maria de Eça em 1548, que substituiu por alguns meses o seu marido, o Capitão-mor D. Afonso de Noronha, chamado por D. João III a Lisboa, governo esse que ela desempenhou com autoridade e zelo, sendo chamada de “capitoa”. Em Alcácer Ceguer brilhou também pela coragem a esposa do Capitão-mor D. Duarte pois quando a fortaleza se encontrava cercada pelos mouros de Fez liderados por Abd al-Hakk, em Julho de 1459, chegam vindos do reino, D. Isabel de Castro, os filhos e algumas donzelas do seu serviço, que não se intimidando, furam corajosamente aquele momento bélico e entram na fortaleza.
Em 1437, já circunstância menos feliz foi a primeira tentativa de conquistar Tânger, pois de um exército de 14 000 homens previstos, apenas foram cerca de 6 000, recrutados entre agricultores, alfaiates, sapateiros, frades, segréis e outras profissões, e até presos perdoados dos xseus crimes, traduzindo-se numa estrondosa derrota. Aqui, os marroquinos mantiveram refém o Infante D. Fernando, propondo-o como troca pela devolução da Praça de Ceuta, o que não foi aceite pela maior parte das forças sociopolíticas, nem pelos agentes económicos, reunidos nas Cortes, quer de Leira, quer de Évora, respectivamente em 1472 e 1473. Veio este Príncipe a falecer cativo em Fez em 1443.
Digno de nota são também alguns acontecimentos em Arzila, conquistada em Agosto de 1471 a Mulay As-Said Ash-Shaykh, por D. Afonso V que reunira a maior armada alguma vez saída de Portugal, de cerca de 400 navios, transportando 30 000 homens em armas, batalha essa onde foram aprisionadas duas das esposas de Mulay As-Said Ash-Shaykh posteriormente libertadas, em 1472, a troco das ossadas do Infante Santo, que regressaram e ganharam sepultura em Portugal. Da parte dos guerreiros muçulmanos é de destacar a eliminação em 1525, por D. Jorge de Noronha, de Amelix, afamado mouro que chefiava uma quadrilha que eliminara mais de cem cavaleiros portugueses, conhecido em todo o norte de África como o “matador de cristãos”. O seu cavalo mandou António da Silveira ao rei, mais pela fama do seu dono do que por ser formoso. Já em sentido contrário destaca-se o mouro guerreiro Mulai Amhet, que começando por combater os portugueses, entrou depois ao serviço de Portugal cobrindo-se de glória na Índia e no Extremo Oriente.
Pela violência da tomada de Arzila e do massacre que se lhe seguiu, os portugueses encontram Tânger, cidade próxima, abandonada pelos seus habitantes à pressa, pois estes estavam convencidos que o objectivo final era a tomada da sua cidade. Surpreendidos pelo abandono, os portugueses ocupam-na. D. Afonso V assumia agora o título de “ Rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África”. Em 1661, ao abrigo do tratado de paz e amizade firmado com a Inglaterra e do casamento da princesa Catarina de Bragança com o rei inglês Carlos II, Tânger é dada ao trono inglês como dote de casamento. Pouco antes da entrega desta cidade aos ingleses, o fidalgo Luís Gonçalves, da guarnição local, foi capturado e feito escravo branco do palácio marroquino, com funções de preceptor de uma criança de 3 anos de idade, a quem se afeiçoou e que veio a ser o futuro sultão Moulay Ismail Ibn, que reinou entre 1672 a 1727, acabando por ser o mais atroz e sanguinário de todos os sultões de Marrocos, dizendo-se que teve 500 esposas e um total de 888 filhos. Luís Gonçalves só foi libertado 33 anos depois (cont.).
[Bibgª: G. Zurara, D. Lopes, F. Paula. Por decisão pessoal, o autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico].
Crónica por Cândido de Azevedo