“Os jovens estão cada vez mais tristes”

O perfil das patologias pediátricas no nosso país tem vindo a alterar-se nas últimas décadas. Ao contrário do que acontece em países subdesenvolvidos, a incidência de infeções graves tem vindo a diminuir, devido à emergência das novas vacinas e à melhoria dos cuidados médicos. As doenças alérgicas e as autoimunes têm sofrido um ligeiro acréscimo, tal como ocorre em países desenvolvidos. O mais alarmante é a gravíssima deterioração da saúde mental das nossas crianças e adolescentes.

De uma forma assustadora, os serviços de urgência pediátrica estão cada vez mais sobrecarregados com patologia do foro mental. É progressivamente maior o número de crianças com alterações comportamentais e de adolescentes profundamente tristes, deprimidos, ansiosos, que infligem automutilações, ou tentam mesmo suicidar-se. Alguns deles são oriundos de famílias estruturadas, que vivem sem grandes restrições económicas nem culturais, com livre acesso à informação e a tecnologias sofisticadas, razões pouco plausíveis para justificar esta situação.

Entre muitos outros motivos, várias mudanças no padrão da vida atual têm vindo a contribuir para este novo paradigma. As circunstâncias laborais levam a que os pais tenham menos tempo disponível para os filhos. Os avós reformam-se mais tarde, impedindo-os de colaborar na educação dos netos. As famílias alargadas têm vindo a encolher-se e as famílias nucleares são cada vez menos numerosas, por motivos muito diversos. As ruas tornaram-se inóspitas, pouco atrativas e pouco seguras, com os “tempos livres” no exterior a serem gradualmente substituídos por atividades recreativas digitais, privando as crianças do contacto salutar com a natureza e com os seus pares, sem a contínua supervisão dos adultos. 

Numa analogia com o mundo real, o brincar constitui, provavelmente, um dos métodos com maior potencial para confrontar a criança com dificuldades inesperadas e situações adversas, de uma forma lúdica, equilibrada e sob condições de risco controlado. A brincadeira é uma atividade circunstancial, transitória e imprevista, pelo que é sempre muito inovadora e criativa. Sem a contínua supervisão dos adultos, as crianças brigam umas com as outras, perdem e ganham alternadamente e negoceiam com os pares, aprendendo a gerir as suas próprias emoções. Simultaneamente, correm, saltam e esfolam os joelhos. Enquanto previnem o sedentarismo e desenvolvem a sua motricidade, elas inventam soluções surpreendentes para ultrapassar dificuldades ocasionais. De uma forma afortunada e pouco dispendiosa, as crianças vão desenvolvendo simultaneamente as suas capacidades motoras, cognitivas, sociais e emocionais, enquanto constroem amizades e memórias felizes que as acompanharão para o resto das suas vidas. Brincando livremente no exterior até que o escurecer lhes ponha cobro, chegam cansadas a casa e facilmente se preparam para um sono restabelecedor.

Como referido previamente, inúmeras circunstâncias têm vindo a empurrar as crianças para exíguos espaços fechados, onde vivem superprotegidas e supervisionadas, sem autonomia, “presas às cadeiras”, sedentárias, tristes, submetidas a atividades padronizadas de que não gostam. Refugiadas em frente a ecrãs, passam longos períodos de isolamento imersas em conteúdos inapropriados para as suas idades e jogos falsamente divertidos, mas que foram estrategicamente concebidos para a ausência de momentos enfadonhos, num percurso infindável que lhes proporciona vício e dependência, enquanto lhes rouba tempo indispensável ao sono reparador, à atividade física, à sociabilização, à criatividade e a outras atividades mais estimulantes, diferenciadas e verdadeiramente felizes.  

Paralelamente, no seio familiar, os inúmeros ecrãs disponíveis e dispersos por toda a casa são usados para bombardear informação continuamente, fomentando a desconcentração e o cansaço mental, enquanto reduzem os momentos de descontração, de diálogo e de interação recíproca dentro da família, remetendo pais e filhos para um isolamento progressivamente maior dentro da própria casa. O resultado traduz-se em indivíduos cada vez mais tristes, imediatistas, intolerantes e carentes de afeto.

Urge consciencializar a comunidade de que é imprescindível dar um novo rumo às atividades escolares, extracurriculares e no seio da própria família, capaz de restituir a alegria e o prazer de viver às nossas crianças e adolescentes. 

Conscientes de que é impossível conceber um futuro isento de ecrãs, é necessário dar-lhes um uso mais adequado. Concomitantemente, os espaços exteriores devem tornar-se mais atrativos, permitindo que as crianças voltem a circular sozinhas e em segurança. Devolvendo-lhes a rua combateremos o isolamento em que vivem, permitiremos que voltem a confrontar-se com o mundo real, num espírito de partilha, solidariedade, criatividade e resiliência que os habilitará a tornarem-se mais felizes.

Ciente deste problema, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou que, com início este ano, o dia 11 de junho ficará destinado a celebrar o “Dia Internacional do Brincar”. Trata-se de mais uma iniciativa destinada à sensibilização geral para os benefícios de BRINCAR. Sigam-se as recomendações do Professor Carlos Neto que, numa luta árdua que dura há anos, vem aconselhando a que se “Libertem as Crianças”, para o seu próprio bem. 


Opinião, por Teresa Gil Martins