Com a ascensão de movimentos e partidos populistas, falar de imigração passou a ser um terreno minado e a usurpação deste tema pela extrema-direita faz com que os partidos democráticos não tenham a coragem de resolver os problemas que derivam dos movimentos migratórios, um pouco à imagem daquilo que vai acontecendo na justiça.
Tornou-se proibido assumir que há um problema com a imigração, porque a simples formulação dessa frase pressupõe que o problema é haver imigração. Não é!
Ademais, num país com os problemas demográficos de Portugal, a imigração é uma solução, não um problema.
Mas, efetivamente, há um problema com a imigração, que tem na base um problema com a estrutura económica do país, assente em atividades predominantemente sazonais.
Não é de agora que a agricultura e a construção civil têm necessidade de mão de obra imigrante para colmatar a falta de gente para trabalhar nas épocas de maior atividade, mas, mais recentemente, junta-se o turismo como setor com picos de atividade.
O que uma proeminente dirigente do Chega apelidou de “importação de pessoas do terceiro mundo” é, na verdade, o motor de cerca de 20% da economia portuguesa e que não tem tido o devido enquadramento.
O problema com a imigração surge quando essas tarefas sazonais cessam e os milhares de pessoas que vieram para Portugal com o propósito de trabalhar nessas atividades ficam numa situação extremamente vulnerável, sem trabalho, sem casa, sem dominar a língua e completamente sozinhos num país estranho.
Com a extinção do SEF, surgiu a AIMA (Agência para Integração, Migração e Asilo) que tem por missão o controlo de fronteiras e as funções administrativas relacionadas com a imigração. Mas só isso não chega. É preciso garantir que esta agência funcione como agência de emprego e formação profissional especializada em trabalhadores estrangeiros, que facilite a integração laboral dos migrantes e que esteja próxima de empresas com outro perfil de atividade que permitam uma situação de estabilidade a quem a perdeu.
Na organização onde trabalho, que representa um setor de atividade primária (suinicultura), foi desenvolvida uma ação que pode ser entendida como projeto piloto. Em parceria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Embaixada de Portugal na Venezuela garantiram-se condições para instalação de imigrantes venezuelanos com garantia de emprego estável, alojamento e reagrupamento familiar. Esse projeto será intensificado com a constituição do Centro Tecnológico da Suinicultura, em Santarém, que promoverá formações dirigidas a quadros indiferenciados respondendo, assim, a uma necessidade que o próprio setor sente de falta de mão de obra.
Como este, muitos outros setores da economia sentem os mesmos problemas. Também os territórios rurais necessitam urgentemente de atrair gente e criar riqueza. A intervenção do Estado como agente qualificador, capacitante e integrador destas comunidades seria uma reforma económica fundamental para garantir a competitividade do país e, particularmente, das regiões mais desertificadas do país.
A nouvelle vague de xenofobia que invadiu Portugal preconizada por jovens celibatários involuntários prega muito contra uma suposta substituição racial, mas podia afastar-se um bocadinho de Lisboa e das redes sociais e vir ao interior verificar que não se podem substituir pessoas quando elas já lá não estão.
Opinião, por João Bastos