Filipa Gomes é a responsável pelo Núcleo do Ribatejo da Associação Alzheimer Portugal. Ao longo desta entrevista, a técnica desmitifica e clarifica alguns dos mistérios da doença, assim como, as formas de tratamento e de acompanhamento dos doentes.
Que trabalho tem feito o Núcleo do Ribatejo, em particular em Almeirim?
O Núcleo do Ribatejo da Associação Alzheimer Portugal foi criado em Setembro de 2004. Na sua criação e manutenção contamos com o apoio incondicional do Município de Almeirim, que, desde cedo, compreendeu a mais-valia de ter uma resposta especializada na área das demências no seu território. As grandes áreas de atuação da Alzheimer Portugal, do Núcleo do Ribatejo são os Serviços (Respostas e apoio direto especifico e especializado para Pessoas com Demência e Cuidadores; a Formação para Cuidadores formais (profissionais das instituições que acolhem Pessoas com Demência) e informais (familiares); O Awareness (Informação e consciencialização sobre o tema das Demências) e Investigação e Advocacy (Participação em estudos, ensaios e definição de políticas). No âmbito da formação e do Awareness, o Núcleo do Ribatejo organizou as I Jornadas Ibéricas das Demências realizadas em Almeirim e o I Encontro Nacional das Doenças Neurodegenerativas que contou com 700 participantes. Ao longo dos anos, o Núcleo tem feito numerosas ações de sensibilização e formação em eventos na comunidade (feiras, certames, congressos) e nas instituições/ IPSS. Em parceria com o Agrupamento de Escolas de Almeirim e o Município, desenvolvemos durante diversos anos o Projeto “ A Kelembra esqueceu”, que era dinamizado diretamente nas escolas junto dos alunos do 1º ciclo e que visava sensibilizar as crianças para as Demências e apoiar os meninos/as com avós ou outros familiares com esta doença. Este projeto foi interrompido com a Pandemia. Com a preocupação de desenharmos intervenções adaptadas às reais necessidades das Pessoas com Demência e dos seus cuidadores temos desenvolvido diversos projetos na comunidade, nos quais, a nossa equipa multidisciplinar intervém diretamente nos domicílios ou em instituições. Esses projetos foram vencedores do Prémio BPI ( Projeto Psicocuidar) e do Programa Bairros Saudáveis ( Projeto ReSense – Memórias com Sentido(s)), tendo este último sido incluído na plataforma local dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas. A equipa do Núcleo do Ribatejo tem sido a responsável pela implementação de um projeto nacional da Alzheimer Portugal que culminou com a certificação dos 4 centros de dia da Alzheimer Portugal com o selo de Cuidados Livres de Contenções para Pessoas com Demência. O Projeto em causa – “Estreitar Laços” pretende trazer o tema do uso generalizado de contenções como prática de Cuidados, para a reflexão pública e organizacional em Portugal. Destaque-se, ainda, o importante Apoio Social que o Núcleo do Ribatejo tem prestado às Pessoas do concelho/Distrito de Santarém com o Programa de Apoio na Incontinência, cujos apoios representam cerca de 50% do apoio atribuído a nível nacional. Atualmente, o Núcleo do Ribatejo apoia as Pessoas com Demência e os familiares não só nas suas instalações, bem como, diretamente, nos domicílios, colmatando as dificuldades de deslocação e de supervisão da Pessoa com Demência, que não pode ficar sem acompanhamento.
Temos muitos casos identificados no concelho?
Não existem informações sobre a prevalência de Pessoas com diagnóstico de Demência no concelho. Para saber com exatidão a prevalência de Pessoas com Demência no concelho/Distrito seria necessário saber quantas pessoas obtiveram o Diagnóstico de Demência no Serviço Nacional de Saúde e nas consultas realizadas em Instituições/consultórios privados, com consultas na área da Neurologia e Psiquiatria. Tais informações ainda não se encontram sistematizadas e acessíveis.
Quais são os métodos utilizados para tratar pessoas com Alzheimer?
Existem duas abordagens. A Intervenção Farmacológica é fundamental. A medicação para as Demências é fundamental para retardar a evolução da doença e contribui para a maior estabilização dos sintomas. De forma complementar, a Intervenção Não Farmacológica tem mostrado efeitos positivos no bem-estar das Pessoas com Demência. A Intervenção Não farmacológica é constituída por um leque de Terapias com diferentes enfoques, nomeadamente, as Terapias na área da estimulação cognitiva, emocional, entre outras. As Intervenções existentes não tratam, no sentido da cura, apenas retardam a evolução da demência. Devem ser complementares.
O trabalho incide na informação, apoio social, psicologia, grupo de apoio e estimulação cognitiva?
Intervir na área das demências requer uma abordagem multidisciplinar e holística (contemplando todas as dimensões da pessoa, cognitiva, emocional, espiritual, entre outras). O trabalho/intervenção deve ser centrado na e com Pessoa, incentivando-se a sua participação (escolha e avaliação de actividades/ocupações, avaliação da sua satisfação). A intervenção na área das demências, implica sempre atuar no binómio Pessoa com o Diagnóstico de Demência e Cuidador. A Demência afeta a família, no seu todo. A Pessoa com Demência e o Cuidador principal afetam-se mutuamente. Um familiar cuidador pode não utilizar as estratégias de cuidados mais adequadas (por desconhecimento ou exaustão) o que se irá refletir no bem-estar da Pessoa com Demência, que poderá ficar mais agitada, o que por sua vez aumentará a sobrecarga do cuidador. É preciso, quando intervimos, ajudar a quebrar este ciclo. Os familiares necessitam de apoio na fase do diagnóstico e ao longo do percurso da doença. O momento do diagnóstico é muito impactante. Nesta etapa, é crucial disponibilizar o Apoio Social que se traduzirá no empoderamento de todos (orientando as famílias sobre os recursos existentes para que se possam prestar os melhores cuidados, obter apoio/intervenções para o seu familiar, conhecer os seus direitos e do doente). O suporte psicopedagógico (sobre a doença e as estratégias de cuidados mais adaptadas às necessidades dos seus ente queridos) é igualmente imprescindível. Este último apoio será vital para a adaptação do familiar e em como este poderá ajudar a própria pessoa doente, a adaptar-se às alterações impostas pela doença. Os grupos de apoio para os familiares (chamados Grupos de Ajuda Mútua ou Grupos de Suporte) e o Apoio Psicológico/Psicoterapia são disponibilizados, pois, ser cuidador de uma Pessoa com Demência é desgastante (pode implicar níveis elevados de sobrecarga física e psicológica e conduzir a um síndrome da exaustão) e desafiante, levando inclusivamente, a que a pessoa mude aquele que era o seu projeto de vida (familiar, profissional, etc) para cuidar. Relativamente às Pessoas com Demência existe uma série de Intervenções, que são classificadas como INF (Intervenções Não Farmacológicas). As mais eficazes são as chamadas intervenções multicomponentes, por integrarem diferentes tipos de atividades. Existem diferentes intervenções com enfoque na dimensão mais cognitiva (Estimulação Cognitiva Individual, Reabilitação e Treino Cognitivo), emocional (Apoio Psicológico, Terapias Emocionais, Arte-Terapia), comportamental (incide sobre os comportamentos, em especial na prevenção de alteração de comportamentos, como por exemplo as Terapias Assistidas Por Animais), funcional (Treino de Atividades de vida diária como vestir, tomar banho, etc), física (Exercício físico e fisioterapia) e atividades mais recreativas (de lazer e ocupação). De salientar que as Intervenções Não Farmacológicas ou Terapias possuem um enquadramento conceptual teórico, sendo um processo com objetivos terapêuticos. Assim, é importante que não se confundam intervenções que têm um caracter terapêutico e que devem ser feitas por profissionais com formação e experiência com as atividades que realizamos de forma informal enquanto cuidadores informais (familiares) ou formais (nas instituições). Uma coisa é ser realizada uma atividade informal com música, outra substancialmente diferente, são as intervenções de Musicoterapia.
Como melhorar o bem-estar?
A primeira questão é a definição de bem-estar, ou seja, aquilo que é bem-estar para cada pessoa. Com ou sem demência. O Bem-estar e como alcançá-lo é indissociável da Identidade e história de cada Pessoa. Mas o que é o Bem-estar para as Pessoas com Demência? De viva voz, as Pessoas com demência consideram que o Bem-estar é o Momento. O prazer e a fruição, no aqui e agora. Na perspectiva das Pessoas com Demência a sua vida é significativa através do “fazer”, pelo que consideram que a ocupação é muito importante para a sua qualidade de vida. A ocupação deve centrar-se nas capacidades conservadas, pensando no que as Pessoas com Demência ainda conseguem fazer e no que podem ter sucesso (desfrutar, sentirem-se orgulhosas, com utilidade, pertencentes a um grupo e/ou comunidade). As atividades permitem viver o momento presente. As Pessoas com Demência podem desfrutar do presente, mesmo que este não possa se transformar numa recordação. Melhorar o Bem-estar das Pessoas com Demência é combater a desocupação destas, é não comprometer a sua liberdade de escolha e participação ativa, é não substituí-la nas decisões da sua vida e nas atividades de vida que lhe são significativas.
Quais os hábitos que ajudam a prevenir as demências?
Cerca de 40% das Demências podem, de facto, ser prevenidas ou atrasadas, pelo que nunca é demasiado cedo, nem demasiado tarde para reduzir o risco de desenvolver Demência. A questão da Prevenção das Demências é especialmente importante para alguns tipos de demências, tal como as Demências Vasculares. A idade (viver mais tempo) é o maior fator de risco para desenvolver Demência, pelo que, faz parte daqueles que são chamados fatores de risco não modificáveis. No entanto 40% das Demências podem ser prevenidas ou atrasadas através de estratégias /hábitos que qualquer um de nós pode adoptar.
Existem alguns hábitos que são considerados protetores, tais como aumentar a atividade física (evitando o sedentarismo), moderar o consumo de álcool, ter uma alimentação saudável e/ou reduzir o peso, evitar fumar, aumentar a exposição a espaços verdes/contacto com a natureza e participar em atividades na comunidade, com amigos (evitando o isolamento). Igualmente importante são os cuidados de saúde, nomeadamente, o controlo da hipertensão arterial e a Diabetes tipo 2, bem como tratar atempadamente a Depressão. Por outro lado, é fundamental compensar as perdas auditivas inerentes ao envelhecimento, bem como, adoptar regras de segurança, com modificações no ambiente de casa/institucional (retirar móveis, tapetes, etc) de forma a prevenir quedas e consequentes traumatismos cranioencefálicos. A Alzheimer Portugal tem procurado divulgar a mensagem sobre a Prevenção, o que tem feito através de uma campanha que designa ACTIVAMENTE – Clube do cérebro.
Onde podem ser internados idosos com demência em Portugal?
A situação ideal seria podermos manter as pessoas idosas nas suas casas, no contexto que lhes é familiar e disponibilizarmos os serviços que vão ao encontro das suas necessidades. Esses serviços deveriam satisfazer as necessidades básicas (alimentação, higiene, conforto nas habitações, entre outras) e as necessidades relacionadas com a prevenção e manutenção da saúde física e psicológica das pessoas idosas para que possam manter a sua autonomia e a participação ativa na comunidade local. Contudo, a institucionalização tem-se tornado uma realidade crescente. A mudança que caracteriza as famílias (cada vez existem mais famílias monoparentais e reconstituídas), o papel da mulher (o maior número de mulheres que trabalham e que possuem menos tempo, ou simplesmente, não desejam ser cuidadoras principais), o Idadismo (crenças sobre as pessoas com mais idade), entre outras mudanças, impelem para a tendência de se institucionalizarem as Pessoas Idosas. Para que se possa institucionalizar as Pessoas idosas é fundamental conhecer que tipo de respostas/recursos existem, quais são os procedimentos que se têm que levar a cabo para o ingresso e qual o modelo de cuidados existente da instituição, isto é, o que se pode esperar dos cuidados. Para facilitar a entrada de uma pessoa idosa numa instituição há que perceber se a institucionalização é voluntária (tomada de decisão por vontade expressa da Pessoa idosa) ou involuntária e se for, se tal resulta de situação de incapacidade da Pessoa. Se assim for, terão que ser desencadeados os respetivos procedimentos legais, nomeadamente, o processo do Maior Acompanhado, no qual, será nomeado um Representante da Pessoa com Incapacidade, tal como acontece nas Pessoas com diagnóstico de Demência. Relativamente aos familiares e para prevenir situações de mal-estar, stress e sobrecarga é importante planificar com tempo a institucionalização (Mittelman, Epstein y Pierzchala, 2003). Tomada a decisão pelo próprio ou por quem o legitimamente represente, existem alguns fatores que deverão ser considerados na decisão da escolha da instituição, entre os quais: a localização e acessibilidade da ERPI/Lar, bem como, a existência de confortabilidade, tranquilidade e um ambiente semelhante ao ambiente doméstico, daí a importância da possibilidade de decorar o espaço/quarto com objetos pessoais; a flexibilidade de horários da vida quotidiana e da visita dos familiares e a existência de Planos de Cuidados personalizados, centrados na Pessoa (se possível elaborados com a mesma) e do conhecimento da família. Alguns outros aspetos a indagar estão relacionados com a qualidade dos cuidados, nomeadamente, no que respeita a questões- chave como o respeito pela intimidade, a existência de um trato respeitoso e afetivo (sem cair na infantilização), a satisfação das necessidades pela equipa (atempadamente e sem substituir a pessoa) e a possibilidade das Pessoas participarem ativa e livremente na vida quotidiana e tomarem as suas decisões. Quando se decide a institucionalização de uma Pessoa com Demência numa ERPI é, igualmente importante perceber como essa instituição defende aquilo que são os cuidados para as Pessoas com Demência. Para tal, é preciso fazer perguntas. Muitas perguntas. Em Portugal não existem muitas respostas sociais especificas – ERPIS, Centros de Dia ou Serviços de Apoio Domiciliário – para Pessoas com Demência. Para além das respostas sociais da Alzheimer Portugal, no nosso Distrito, por exemplo, existem apenas o Lar São João de Deus, Unidade de Demências, da Santa Casa da Misericórdia de Pernes e o Centro Bento XVI, esta última resposta no âmbito dos Cuidados Continuados, em Fátima. Na sua maioria, as Pessoas com Demência estão institucionalizadas em ERPIS de instituições do Terceiro Sector ou ERPIS privados. À semelhança do que tem acontecido noutros países, torna-se urgente que as Instituições se adaptem às necessidades das Pessoas com Demência, pois as estimativas sobre a prevalência de diagnósticos de Demências apontam para uma triplicação do número de casos. Estas pessoas não serão somente pessoas com mais idade mas pessoas mais novas, algumas delas em idade ativa. Impõem-se, pois, uma reflexão sobre como as nossas instituições se prepararão para esta realidade não muito longínqua, com pessoas em diferentes idades e etapas da doença e, inclusive diferentes tipos de demências. Estarão as nossas instituições recetivas a uma mudança de paradigma de cuidados? Para substituir o modelo de cuidados centrado nas tarefas e na organização e não verdadeiramente centrado nas Pessoas? Estaremos nós, os futuros velhos do país e, provavelmente, futuras Pessoas com Demência preparados para estarmos numa instituição, onde a única coisa que temos de nosso é a cama e o nosso assento? Onde não podemos receber as visitas dos amigos e familiares, porque a pandemia já suavizou os seus efeitos, mas as instituições não se desprendem das rotinas que esta deixou e temos visitas com hora marcada e duração determinada? Estaremos preparados para deixar a nossa casa e ir para um lugar onde desaprendemos? Sim, onde não utilizamos as nossas competências, nem aquelas que faz de nós seres sociais, com a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro (a famosa empatia), escutarmos o outro e expressarmos as nossas emoções? Como fazê-lo num local, onde não o fazem, no geral? E quando eu me sentir triste, alguém reparará? E se eu estiver zangada, posso expressá-lo ou correrei o risco de me sedarem? Ou, quem sabe, ser amarrada, literalmente aprisionada, só porque estou agitada ou posso perder-me? Não será sempre assim. Há muitos bons/ boas profissionais e instituições. Muitos “de corpo e alma”. Então, qual é o problema? A forma como olhamos para os Cuidados, como os imaginamos, como os damos aos que precisam de nós. A questão não é certamente: “ Onde internar os idosos com demência?” mas antes “ Como cuidar melhor as Pessoas com Demência?”. E sobre isso, acho eu, é urgente uma mudança de paradigma de cuidados. Não apenas na teoria, no rescaldo do que é moda fazer/dizer. É urgente uma mudança de paradigma na prática. E isso não custa dinheiro. Está tão só na nossa cabeça, dentro de nós.
O que causa a doença de Alzheimer?
A Demência pode descrever um conjunto alargado de sintomas, que podem incluir a perda de memória, dificuldades de raciocínio de resolução de problemas, assim como alterações da linguagem, do humor ou do comportamento. Estas mudanças são pequenas ao início, mas com o tempo, tornam-se suficientemente graves para afetar o dia-a-dia da pessoa. A perda de memória, por exemplo, é uma característica natural do envelhecimento. No entanto, quando a perda de memória perturba a vida quotidiana da pessoa, pode tratar-se de um sintoma de demência. Muitas vezes pode ser difícil perceber a diferença entre as mudanças características do envelhecimento e os primeiros sinais de demência, o que explica a dificuldade de serem realizados diagnósticos atempados/precoces. A Demência é causada por doenças do cérebro. A Doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência, constituindo cerca de 60% a 70% de todos os casos. Existem outras formas de demência, como a Demência Vascular, a Demência de Corpos de Lewy, a Demência Frontotemporal e outras mais. Em termos neuropatológicos, a Doença de Alzheimer caracteriza-se pela morte neuronal em determinadas partes do cérebro, com algumas causas ainda por determinar. O aparecimento de tranças fibrilhares e placas senis impossibilitam a comunicação entre as células nervosas, o que provoca alterações ao nível do funcionamento global da pessoa. Os investigadores estão a descobrir rapidamente mais dados sobre as alterações químicas que provocam danos às células cerebrais na Doença de Alzheimer. Mas para além das pessoas que desenvolvem a Doença de Alzheimer Familiar, não se conhece o motivo pelo qual uma pessoa desenvolve a doença e outra não. Estão a ser investigadas várias causas suspeitas da Doença de Alzheimer, incluindo fatores ambientais, perturbações bioquímicas e processos imunitários. A causa pode variar de pessoa para pessoa e pode ser devida a um ou a vários fatores.
Como lidar com as pessoas com demência?
A melhor forma de lidar com as Pessoas com Demência é tratá-las como Pessoas. Respeitar a sua Identidade e Dignidade. Parece muito simples mas, devido a muitas crenças que nos limitam, é o mais difícil de conseguir. Lidar com as Pessoas com Demência é lidar com a ideia de nos imaginarmos ao espelho, que nos reflete a nós (ou aos que nos são queridos) com demência. É uma imagem tão difícil (um estudo revelou que um dos maiores medos das pessoas é ter demência e morrer) que nos desencadeia a nós, nós sem demência, a vontade de não estarmos em contacto com essa realidade. Tal explica o afastamento de muitas pessoas, (familiares ou amigos) das Pessoas com Demência. Tal afastamento é prejudicial para a Pessoa com Demência e para os seus familiares, que se sentem sozinhos e “abandonados”. Lidar com uma Pessoa com Demência é cuidarmos da relação que tivémos e temos com ela. É validar o seu sofrimento. Muitas vezes, normalizamos o sofrimento destas Pessoas, como se estas, por terem este diagnóstico, já não tivessem sentimentos ou emoções. Lidar com Pessoas com Demência é escuta-las (mesmo quando o que dizem parece não fazer sentido), é compreendê-las, ajudá-las a encontrar sentido e a expressar as suas emoções. É dar-lhes prazer, trazendo-as para a rua, fazendo em conjunto, atividades de que gostam. É respeitar o seu tempo, adaptando-nos à velocidade com que percepcionam, sentem e pensam. É dar-lhes o nosso tempo. É abraçar (no que este abraço traz de sensação de bem-estar a qualquer um de nós), olhar nos olhos e dizer-lhes com o olhar que connosco estão seguros. É dar vida à vida.
O que fazer quando a pessoa com Alzheimer não quer comer?
Não existem “receitas” universais. No entanto, existem algumas questões que não deveremos descurar. Deveremos sempre vigiar o estado de saúde da pessoa, nomeadamente, se a pessoa estará com algum problema de saúde, que esteja a interferir na vontade de se alimentar (exemplo de infecções, tosse, febre ou outros) e procurar perceber o estado da boca, dentes ou próteses dentárias. Os hábitos alimentares (como conhecer os seus alimentos preferidos/não preferidos) e as suas rotinas (horários em que gosta de tomar as refeições, uso de talheres) devem ser mantidos e quando há uma recusa em comer, dever-se-á verificar se existe alguma alteração nos mesmos. O empratamento é outro aspeto relevante. Quando a pessoa se recusa a comer, deveremos utilizar um prato de maior dimensão (de forma a diminuir a percepção da quantidade de alimentos) e colocar alimentos de diferentes cores aliciantes. A temperatura da comida deverá ser sempre validada (verificar se está demasiada fria ou quente). Certificar-se de que a pessoa não comeu demasiado (porque se esqueceu que já comeu) entre refeições é outra estratégia importante. O ambiente do local das refeições é muito importante e deve ser tranquilo, a pessoa deve sentar-se no local habitual e do seu agrado. Por exemplo, quando uma pessoa se recusa a comer, em última instância poderão retirá-la do seu local habitual e num ambiente mais informal e descontraído, no meio de uma conversa, tentar que esta se alimente. Tal como se disse atrás, não há “receitas” universais e o que pode adaptar-se a uma pessoa, tal como comer no seu lugar habitual, pode não ser benéfico para outra pessoa ou noutro momento do dia, em que seja mais eficaz retirá-la do ambiente habitualmente associado à toma das refeições. Nas situações em que a pessoa se recusa insistentemente a comer, tem dificuldades em engolir e perde peso, deve consultar-se um médico.
O que fazer quando o idoso está agitado?
Se o idoso não tiver demência dever-se-à procurar conversar com o mesmo e procurar entender os motivos do seu mal-estar ou então dar-lhe espaço, procurar que se acalme e posteriormente abordar a pessoa.
No caso das pessoas com diagnóstico de demência deveremos sempre partir do pressuposto que o mal-estar da pessoa não resulta exclusivamente e/ou é próprio da doença. Normalmente, o mal-estar experimentado pelas Pessoas com Demência é consequência de necessidades não satisfeitas, necessidades físicas (como a fome, a sede, frio, entre outras) ou emocionais (medo, solidão, zanga ou outros). Nas Demências deveremos sempre focar-nos na prevenção destas alterações comportamentais, tentando identificar quais os gatilhos das mesmas (situações, pessoas especificas, estado de saúde ou algum fator do ambiente perturbador). Determinada a causa, deveremos perceber se existe o mesmo padrão no tempo, fazendo uma espécie de historial desse comportamento e tentar compreender qual será a mensagem subjacente a esse comportamento/agitação. As alterações da linguagem decorrentes das demências, impedem as pessoas de expressar-se, pelo que, na sua maioria, as alterações de comportamento são a única via possível de comunicação. Se a pessoa já está num momento de grande agitação, o importante é que esta possa estar com uma pessoa que seja significativa para si, que possa escutá-la, sem julgamentos ou críticas, que possa entender o seu ponto de vista e validar, no seu tempo e ritmo, as emoções e necessidades desse momento (chorar, estar em silêncio ou outra). Não devemos mentir, corrigir erros ou forçosamente orientar a Pessoa para a realidade. Quando existem alterações de comportamento ou apenas porque a pessoa tem o diagnóstico de demência, são aplicadas contenções físicas (vulgarmente referidas como “amarrar”) que são medidas altamente lesivas para a Dignidade das Pessoas, quando usadas de forma generalizada e como estratégia de cuidados e que potenciam a ansiedade e a agitação. Se refletirmos, em especial, em contextos institucionais é comum (por desconhecimento, crenças e falta de formação) encontrarmos Pessoas com Demência, amarradas e/ou sedadas, dias sem conta, sempre no mesmo local. Dizem-nos que são amarradas porque estão agitadas, por causa da demência. Será? E se fosse consigo? Pergunte-se. Parece urgente mudar este paradigma de cuidados ou um dia será a sua vez de se sentir agitado, pois alguém decidiu que, por ter Demência, que o melhor para si, seria estar preso. Não ter liberdade de movimentos. Não poder contactar com os outros. Com o Mundo. É isto que queremos para os nossos? Para nós próprios?