Maria Rita foi diagnosticada com Síndrome de Dravet. É uma doença genética rara, progressiva e incapacitante, acompanhada de défices cognitivos e problemas motores. A família não se resignou e tem feito de tudo para dar qualidade de vida à criança. Nesta edição, conhecemos a história de Maria e o mais recente projeto da mãe Ana Rita Cardigos.
Como surgiu o desafio de escrever um livro?
Na verdade, o bichinho das histórias começou, quando no 5º ano, fui uma das vencedoras do concurso de Uma Aventura, da Caminho. Mas, começou a crescer, quando fui mãe pela primeira vez e com o meu Francisco (irmão de Maria Rita), começamos a frequentar com alguma regularidade a livraria Aqui há Gato. Cheguei a fazer duas formações de contadora de histórias… Com a chegada do diagnóstico da Maria, comecei a pensar neste desafio.
O Prof. Doutor Fernando Catroga foi peça chave para existir este livro?
Podemos dizer que sim porque pedi para avaliarem o potencial do que tinha escrito e planeado porque o “ E TU? ACREDITAS” não se resume só a um livro. Também tem uma música e uma mascote e eu queria alguém especial para avaliar o texto e sentisse todo o projeto. Falei com o Prof. Doutor Fernando Catroga, o qual se aprontou logo para me ajudar e a dar força para que tudo fosse em frente. Ele próprio apresentou o texto à Doutora Joana Bernardes que, desde o primeiro dia, sentiu verdadeiramente o objetivo deste projeto. Tive o privilégio de não só ganhar uma excelente profissional como uma grande amiga.
A quem se destina o livro?
É um livro que convida todas as crianças e, também os adultos a olharem para dentro de si em busca do que as faz sorrir; que as leva a tomar consciência de que somos todos diferentes (e iguais em algumas coisas). Todos nós temos valores, sentimentos… mas o mais importante é acreditar neles para que sejamos felizes e fazermos igualmente os outros felizes. Não, não é apenas para famílias com crianças ou adultos com necessidades especificas, porque todos NÓS temos de acreditar em nós próprios para podermos ir mais longe! Façamos a seguinte reflexão… Convido a pensar no seguinte: quantas oportunidades já deixou passar por pura e simples insegurança? Não contrapor um argumento do chefe, por não se achar tão inteligente quanto; ele ceder às pressões de clientes por temer fechar o negócio; não ter pedido a palavra numa reunião por conta da timidez… Os exemplos podem ser muitos e, na verdade, são. Na verdade, a insegurança revela-se, em muitas situações nas nossas vidas, quer pessoal ou profissional, com ou sem necessidades especiais …Todos nós temos de ACREDITAR em nós próprios! Como podemos querer acreditar nos outros se não acreditamos, em primeiro lugar, em NÓS? Desta forma, atrevo-me a dizer que o livro é para TODOS.
Alguma vez tinha pensado em escrever um livro?
Como já tive a oportunidade de dizer, o meu gosto por histórias infantis veio crescendo. Mas, pensar um dia escrever um livro… sinceramente, achava que não era possível!
A sua filha tem-lhe permitido descobrir todo um mundo novo?
Claro que sim. Sem dúvida alguma! Perante esta realidade, tenho aprendido bastante! Sim, sem andar ela ensina-me a caminhar, sem ver ela ensina-me a olhar a vida de outra forma, sem falar dá-me muitas lições de vida. É verdade, mudei bastante e, quem me conhece sabe do que falo! Planeava tudo agora, vivo um dia de cada vez. Muitas vezes questiono-me: Mas será que o facto de ser mãe de uma criança “diferente” me tornou também uma mãe diferente do que era antes? É verdade, que qualquer acontecimento (bom ou menos bom) que surge nas nossas vidas nos enriquece com novos sentimentos e com novas capacidades de reação. Vejamos: a maravilhosa experiência da maternidade, que cada vez que acontece, traz novas habilidades e capacidades a uma mãe. Independentemente de como seja o filho que nasce, que se cria, que se educa, que se ama. Independentemente de ter ou não necessidades especiais. Mas reconheço, no entanto, que, ser mãe de uma criança com certas limitações do foro motor ou cognitivo, ou de ambas, implica também o desenvolvimento de certas emoções e determinadas habilidades que – estou verdadeiramente convencida- nascem com um intuito de resposta e combate a essas limitações. Pela minha experiência pessoal, e observando as mães em situação idêntica com quem tenho o privilégio de conviver diariamente, posso identificar algumas características que são comuns às mães de crianças com necessidades especiais tais como a resiliência, a capacidade de desdramatizar, a perseverança, a empatia, forte instinto de proteção e a capacidade de valorizar os bons momentos. Mas, não tenho dúvidas que a base de tudo, isto é, o ACREDITAR que existe dentro de nós: A autoconfiança em si mesmo é algo que precisamos cultivar a todo instante. este sentimento é um combustível importante para seguir em frente com sabedoria e força!
Quais os principais ensinamentos?
São tantos! Atrevo a responder a esta questão apenas com uma só frase: “Afinal de contas, o que realmente nos faz feliz não é a chegada, mas o caminho que percorremos para lá chegar.”
Como está a Maria Rita?
Ao ler esta pergunta só me apeteceu responder: FELIZ! Sim, não tenho dúvidas que ela é feliz! Mas, sei que não é esse o objetivo da pergunta. Ela, felizmente tem estado a responder muito bem (nem sempre como mais desejaríamos) a todos os estímulos que lhe damos. Aqui, digo que tem sido muito graças à zonoterapia. Sim, arrisco-me a dizer! Tem sido fundamental o apoio de medicina integrativa a par da medicina tradicional.
Deixe-me recuar um pouco. Quando percebeu que a Maria Rita tinha o síndrome de Dravet?
Dravet com a chegada do teste de genética, aos dois e meio de Maria. Mas, começamos a ver que algo não estava bem aos 4 meses quando ela fez a primeira convulsão.
Como tem evoluído a questão?
Perante as perspetivas que tínhamos, a evolução tem sido positiva, grão a grão, passinho a passinho temos tido supressas! Porque desde sempre, e até mesmo antes de termos o nome da “maldita doença” o nosso objetivo foi sempre minimizar o problema e estimular e dar uma vida normal à Maria Rita. Organizei uma equipa de terapeutas, fazemos um trabalho de equipa Casa -> Escola -> Técnicos de Saúde, ou seja, aqui tudo se envolve, o que lhes digo, a fisioterapia não é mais importante que a musicoterapia ou vice versa, tudo é importante. Temos que ver tudo num todo. Trabalho de equipa e, quem não aceitar as minhas condições não é bom para trabalhar com a Maria! Hoje, a Maria tem nove técnicos de saúde a trabalhar com ela e, hoje eles fazem parte da família. Sou muito exigente, eles sabem, mas atrevo a dizer que eles gostam de trabalhar com a Maria. Aqui o único fator que não é um desafio é amar a nossa princesa, ela cativa tudo e todos com a sua forma de lutar, ela não fala, nem vê, mas quem trabalha com a MR sabe e sente que ela vê os percalços com olhos resilientes. Sem dúvida que é uma lição de vida.
Que trabalho tem sido feito para melhorar as condições de vida?
Esta doença confere um atraso significativo relativamente ao esperado para a sua idade e compromete gravemente a Maria Rita no que respeita ao seu desenvolvimento e da sua qualidade de vida em todas as áreas, nomeadamente: · Perturbação de equilíbrio e desenvolvimento psico-motor; · Ausência de controlo de cabeça e tronco; · Impossibilidade de aquisição de marcha; · Atraso profundo na linguagem; · Défice cognitivo profundo; · Dificuldades na motricidade; · Perturbações na integração sensorial; · Decorrentes crises de epilepsia refrataria configurando encefalopatia epilética ( de difícil controlo) e · Baixa visão. Todas estas dificuldades determinam a necessidade de realização de tratamentos no âmbito da reabilitação. Pelo que delineei, em conjunto com a equipa médica que acompanha a Maria desde os seus 5 meses, temos o seguinte plano: Fisioterapia (4 vezes por semana), Hipoterapia (1 vez por semana), Hidroterapia (1 vez por semana), Terapia Ocupacional (2 vezes por semana), Terapia da Fala (2 vezes por semana), Musicoterapia (1 vez por semana) , Ortotica (1 vez por semana), Psicomotricidade (2 vezes por semana) e ozonoterapia (2 vezes por semana). Para conseguir fundo maneio para todos estes gastos, temos tido várias iniciativas, como exemplo, espetáculos, caminhadas com ajudas de amigos, da C. M. de Alpiarça e de Almeirim e outras entidades. Criei uma página (Facebook Ritinha Laçarote) onde coloco produtos à venda que entre família e amigos vamos fazendo nos nossos tempos livres. Também recolhemos tampinhas de plástico e caricas e aqui conto com ajuda dos amigos para recolha e da Junta de Freguesia de Alpiarça e de Rossio ao sul do Tejo para a entrega no ponto de reciclagem.
E a Rita continua a conseguir trabalhar como técnica de aprovisionamento?
Sim. Atualmente, tenho uma chefia que me ajuda ACREDITAR que sou capaz. Isto ajuda muito! Os meus colegas sabem e a qualquer momento posso ter que sair de repente do local de trabalho, deixar o trabalho a meio (o que já aconteceu várias vezes) porque alguém me ligou a dizer que a Maria entrou em período convulsivo. Sim, estou sempre em alerta, olhar para o telemóvel, e quando ele toca, mil e um pensamentos em pouco espaço de tempo invadem o meu pensamento. Dravet é uma doença rara caracterizada por uma epilepsia rara que causa convulsões frequentes e prolongadas e notavelmente resistentes ao tratamento clínico. Maria tem de estar 24h sobre 24h vigiada. Os meus colegas de trabalho também sabem que posso ter uma noite menos boa, porque outra característica desta doença são os distúrbios do sono. Já foram algumas vezes que fui trabalhar sem dormir. Nestas situações a compreensão e ajuda da equipa é fundamental. Como gosto do que faço, tenho orgulho ser colaboradora desta empresa, vou buscar força, não sei onde, para continuar a trabalhar e a responder aos objetivos para os quais fui proposta. Tenho a minha consciência tranquila, DOU O MEU MELHOR!
Mas há uma dedicação exclusiva à filha?
Não. Não posso dizer exclusiva! A Maria tem um irmão de 11 anos e, ele também tem o direito de ter pais. Temos feito tudo por tudo para que o Francisco não seja muito prejudicado e continue o seu caminho. Não é fácil! Mas tentamos! Mas, se perguntar se tenho tempo para mim, aí digo que não, nesse caso já tenho uma dedicação exclusiva para a Maria!
O que precisa a Maria Rita para o futuro próximo?
Neste momento, porque este ano ainda não tivemos oportunidade financeira, precisa de fazer tratamento intensivo de fisioterapia na clínica em Lisboa que deveria fazer duas vezes por ano.