Em julho de 2021, o bispo de Santarém presidiu à ordenação sacerdotal de Bruno Duarte Filipe, na igreja de Santa Clara, em Santarém. Sendo, dois dias depois, nomeado sacerdote das paróquias de Fazendas de Almeirim (São José) e da Raposa (Santo António), da Vigararia de Almeirim, ficando ainda com o cargo de Assistente-Adjunto da Junta Regional de Santarém do Corpo Nacional de Escutas. O responsável máximo da diocese de Santarém desafiou o novo padre a uma atenção especial às famílias e aos mais pobres. Agora numa grande entrevista fala dos desafios desta missão.
Como estão a correr os primeiros tempos no nosso concelho?
Como é tudo novidade – para mim, porque sou padre novo, e para as comunidades que me foram confiadas, porque vêm um rapaz novo a aprender a ser padre – tem sido um tempo deveras entusiasmante. Sonhar projetos e desafiar pessoas a sonharem com Deus e comigo tem sido a forma como tenho procurado viver estes primeiros tempos.
Adaptou-se bem?
Estou a ser muito bem recebido em qualquer um dos lugares das paróquias que me foram confiadas, e isso é meio caminho andado para uma adaptação feliz a esta nova realidade.
O meio ser pequeno ajudou na integração?
A experiência que faço não é a de estar num meio pequeno. É claro que se formos comparar com realidades citadinas próximas, há uma diferença de dimensão, mas tem sido um tempo rico de procurar integrar-me nas realidades sociais que, já existem na terra, que felizmente, não são poucas.
Ter chegado numa fase de pandemia criou aqui desafios maiores?!
Os desafios que a pandemia criou têm a ver, principalmente, com a gestão das expectativas, a necessidade constante de termos de mudar planos à última da hora. Não é uma experiência pela qual apenas eu passe, todos nós nos temos deparado com isso.
Os impactos para a mente serão mais fortes que para o fisico?
Claramente que sim. O corpo vai-se adaptando a esta realidade, a mente também o faz, mas está sujeita a uma fragilidade maior, seja na gestão de expectativas, seja no distanciamento social que a pandemia alimentou, seja ainda na solidão que esta situação potenciou. Partilhar a vida não é só um capricho de alguns, é uma necessidade de todo o ser humano.
Vamos voltar a ter uma vida normal ?!
Depende do que chamarmos de normal. Vivemos dois anos deveras atribulados e isso deixa marcas, transforma a nossa maneira de viver, de pensar, de sentir, de nos relacionarmos. A normalidade a que voltaremos não é a de há dois anos, mas sim a de uma vida que passou por este momento de tribulação e que sentiu a necessidade de se adaptar. A normalidade vive-se no presente e na realidade em que estamos inseridos.
Mais do que nunca, a vida espiritual é importante?
É essa a minha convicção. Somos seres biológicos, psicológicos, sociais, mas também espirituais. O que a vida espiritual nos traz é o conforto de um Deus que não abandona os seus filhos, e um sentido de esperança: há mais para viver nas nossas vidas para além do sofrimento. Isso não é viver com a cabeça na lua, mas sim encontrar um sentido para a vida, encontrar a própria felicidade. Sabemos que não estamos sozinhos e que a nossa vida não se limita ao sofrimento.
Quem é o Padre Bruno?
O padre Bruno é um rapaz de 29 anos, nascido em Castelo Branco, mas que cresceu e viveu em Tomar. Um rapaz que gosta de sonhar, de desafiar outros a sonharem com ele. Um rapaz que procura a felicidade e que quer conduzir outros para essa felicidade que vai encontrando em Deus. É um rapaz que gosta do contacto com a natureza e de ouvir música. É um rapaz que procura a verdadeira Beleza da vida que Deus sonha para ele e para tantos como ele.
Quando decidiu seguir este caminho?
A ideia de seguir este caminho começou a ser desenhada em 2012. Na altura estudava música na Universidade de Aveiro e dava aulas de música em Tomar e no Entroncamento. As primeiras etapas «deste caminho» levaram-me, primeiro, a querer ser cristão e a querer experimentar a vida abundante que Deus nos promete. Depois desse desejo de ser cristão é que surgiu o desejo de ser padre: gostava imenso da vida que tinha, mas depois de experimentar esta vida com Deus, passei a querer conduzir outros para esta mesma experiência.
Ser tão jovem aproxima-o dos mais jovens?
Penso que sim. A sabedoria da idade e da experiência de vida é fundamental para as nossas comunidades, mas a proximidade etária permite uma confiança e um conhecimento mais aprofundado da realidade que os jovens vivem atualmente. Crianças, jovens, adultos e idosos, falamos todos português, mas os temas que nos interessam vão mudando a uma velocidade alucinante. Quero acreditar que, como jovem, vou conseguindo estar a par dessas mudanças que os jovens vivem.
Ainda recentemente tivemos na freguesia jovens da Missão País. Como correu a experiência?
Foi uma experiência muito rica, acima de tudo na relação entre os jovens que vieram para a freguesia e a comunidade. Foram muito bem acolhidos, e por todo o lado via e ouvia pessoas a falarem da alegria e da simpatia que eles transmitiam.
Infelizmente, a Covid precipitou o fim da jornada …
Para o ano vão voltar ?
Vão sim. O projeto da Missão País permanece numa comunidade durante três anos. É uma forma de acompanhar uma comunidade e poderem desenvolver projetos a longo prazo. A ideia não é virem uns especialistas mostrar como se fazem coisas, mas sim aprender a sonhar desafios, junto com a comunidade local.
Que atividades fizeram?
Estiveram a dinamizar algumas atividades junto das escolas: animação de intervalos, acompanhamento de aulas, pinturas de espaços escolares. Estiveram no centro de Dia e em mais algumas estruturas de acolhimento para idosos, colaborando com a animação e alimentando conversa com eles. Andaram em atividades de porta-a-porta nas ruas em Fazendas de Almeirim, Paço dos Negros, Marianos e Raposa. Alguns dos jovens estiveram também a preparar um teatro para a comunidade que irá ser apresentado agora no dia 19 de março, uma vez que o Covid não permitiu a sua apresentação na semana de missão.
Como são as suas homilias?
Procuro integrar as homilias na realidade que as pessoas vivem, por isso recorro muito a imagens do dia-a-dia para iluminar os desafios que a Palavra de Deus nos faz. Procuro ser exigente e concreto. Procuro também falar com entusiasmo, com alegria e, por vezes, com algum humor. Acima de tudo, procuro perceber o que Deus quer dizer àquela comunidade que se reúne e, pelo meio, não desvirtuar essa mensagem.
Como as prepara?
O primeiro passo é sempre ler e rezar as leituras da Palavra de Deus, que servem de base à homilia. O segundo passo é estudar um pouco essas mesmas leituras (o contexto, o conteúdo, o propósito, a tradução, etc.). O terceiro passo é escolher um tema e escolher o que quero dizer. Apenas depois, se trata da homilia em si: a estrutura, os exemplos do dia-a-dia, o corpo da pregação, a conclusão, etc.
É legítimo que um católico tenha medo da morte?
Todos podemos ter medo da morte. Quando lidamos com medos, não se trata de legitimidade ou não, mas sim da realidade da vida da pessoa que sente o medo: o porquê de esse medo existir, as dificuldades que dão origem a esse medo. Um católico é convidado à esperança na vida eterna, àquela vida abundante que Deus promete, uma vida onde veremos Deus face a face. Essa esperança é uma das crenças próprias de um cristão, de um católico, mas nem sempre é fácil lidar com aquilo que ainda não vemos de forma clara.