De Almeirim vai alta tecnologia aplicada a obras

Tiago Pedro da Costa, cofundador e CTO da Zumer. Nasceu em Santarém, onde viveu até aos 11 anos, após os quais foi viver para as Fazendas de Almeirim. Viveu depois mais de 10 anos em Lisboa e em 2019 voltou para viver no Frade de Baixo com a mulher. Durante a adolescência jogou futebol no Fazendense, onde foi capitão de equipa. Conheça melhor quem e o que faz.

Como é o seu dia a dia?

Todo meu dia-a-dia se passa em Almeirim. Tenho um escritório na Alfrigo, de onde exerço a minha atividade na Zumer, faço compras em Almeirim, saio (muito pouco!) à noite em Almeirim e jogo ténis em Almeirim. Infelizmente não posso votar em Almeirim, mas felizmente a CMA tem estado bem entregue. A minha ligação e da minha família a Almeirim é forte e longa. O meu pai trabalhou muitos anos na antiga Frisol e abriu a Alfrigo há já mais de 20 anos. Os almoços nos restaurantes da praça de toiros fazem parte da minha vida há já muito tempo, os jantares de turma, as saídas à noite no Poço ou na saudosa QB fazem parte da minha infância, adolescência e idade adulta.

Qual foi o seu percurso academico, desde Almeirim … até finalizar?!

Não tem uma resposta fácil ou direta. Foi tudo menos linear. A escola leva-nos neste caminho em que temos de decidir o que queremos fazer o resto da vida quando ainda não temos maturidade para tal. Nos primeiros anos de faculdade bati muito com a cabeça. Passei um ano em Engenharia de Materiais, provavelmente por influência externa e porque achava piada, mas sem saber bem o que era. Esta foi uma fase difícil e a minha adaptação a Lisboa não foi fácil. Passei brevemente por Biologia até que, com ajuda profissional, descobri algumas das minhas capacidades e apetências. Entrei em Arquitetura no ISCTE com média de 19, mas o meu percurso estava longe de estabilizar. No 2º ano do curso chumbei a uma das principais cadeiras, o que acabou por ser um momento decisivo. Por causa disso, no semestre seguinte iria ter muito tempo livre, o que me fez aceitar um convite para colaborar pro-bono com o laboratório de Realidade Virtual e IA aplicado à AEC. Aprendi a programar sozinho e estive lá 4 anos, onde me tornei o responsável técnico do sistema interno de RV. Fiz grande parte do curso enquanto era bolseiro de investigação e no fim da licenciatura em Arquitetura, tirei o mestrado em Engenharia Informática. Curiosamente tive muito melhor aproveitamento em Informática, o que me diz que o contexto certo significa muito. Terminei a tese com 19, feita na Siemens em contexto profissional, e com a qual publiquei dois trabalhos científicos nos temas de RV e NLP (um campo dentro da IA do qual fazem parte os modelos generativos como o ChatGPT). Tudo isto aconteceu entre 2013 e 2018. Foi também durante esse período que tive a minha primeira startup com uma scanner 3D para ginásios, mas acabaram por não se reunir as condições para avançarmos com o projeto. No entanto, ganhei experiência importante e criei contactos que ainda hoje se mantêm. Parecia estar tudo encaminhado. Depois da Siemens trabalhei na Celfocus como Consultor IT, mas não gostei do ambiente e tipo de projetos de consultoria. Em 2019 voltei para Almeirim, cerca de seis meses antes da pandemia. Já em pandemia juntei-me à ADENE como Cientista de Dados naquela que foi a primeira equipa de Ciência de Dados na esfera da DGEG. A certa altura o conselho de administração sofreu uma grande alteração, que teve impacto também na visão da instituição e do meu trabalho. Saí para o INOV onde fiz gestão de projetos e era responsável pela equipa de Interação Inteligente. Foi depois de altos e baixos ao longo destas experiências que me despedi do INOV. Enquanto estava no INOV e percebia que não me identificava, fiz uma longa reflexão acerca da minha carreira. Sempre tive muitas ideias e uma grande aversão a dizerem-me o que fazer, o que me fez perceber que sou feito para ter os meus próprios projetos. Foi assim que em 2022 eu e o Ricardo, o meu sócio e meu antigo professor no Iscte, nos juntámos para idealizar e abrir a Zumer em 2023. À semelhança do que foi o meu percurso académico, também agora o meu perfil continua multidisciplinar. Apesar de desenvolver todo o software da Zumer, trato também de vendas, da visão de produto, candidaturas a financiamento e programas de aceleração. Durante muito tempo receei por ter este perfil multidisciplinar, mas agora percebo que é o meu maior trunfo.

Quais as principais inovações que a Zummer tem introduzido no setor da construção digital e como estas têm impactado a eficiência e a precisão nos projetos?

A Zumer é uma das únicas empresas em Portugal a desenvolver software exclusivamente para o setor da construção com uma equipa em que todos estamos intimamente ligados ao setor. A nossa plataforma principal ajuda diretores e encarregados de obra a reportar os avanços em obra com menos erros, mais rápido, em tempo real e simplificando a comunicação dentro das equipas. Estamos agora a executar um projeto piloto na obra dos acabamentos do Lote 4 do Metro de Lisboa. Esta obra abrange as novas estações da Estrela e de Santos e a circularidade das linhas Amarela e Verde, ligando o Rato ao Cais do Sodré. A breve-médio prazo queremos implementar modelos de Aprendizagem Automática (um campo da IA) que preveja com exatidão datas de finalização dos trabalhos, gerar planeamentos e autos de medição automaticamente, e até mesmo mapas de quantidades e trabalhos. Paralelamente, temos também um projeto de IA aplicada à sustentabilidade na construção, do qual, para já, não posso avançar muito.

Como é que a automação está a transformar os processos de Building Information Modeling (BIM) e Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC), e de que forma a Zummer está a liderar estas mudanças?

O BIM é uma metodologia de gestão de projetos de construção assente em informação digital. Muitos dos problemas que são hoje em dia resolvidos em obra (especialmente conflitos entre especialidades), passam a ser resolvidos em fase de projeto. Trabalha-se mais o projeto e a preparação de obra para que haja menos derrapagens orçamentais e temporais em fase de execução. Estando assente no digital, o potencial de automação é muito maior. A equipa fundadora da Zumer está na interseção das TI e da construção. Temos a vantagem de entendermos os problemas da construção como outras empresas de TI não conseguem. Nós desenvolvemos as nossas soluções em contacto direto com os profissionais que estão no terreno. A este entendimento do setor juntamos uma experiência técnica variada e longa com tecnologias como IA, RV, BIM, computação na cloud, desenvolvimento web e integração de sistemas. Muita da nossa atividade enquadra-se em I&D e fomos até recentemente reconhecidos pela ANI como uma EST (Empresa do Setor Tecnológico). Soluções como as nossas, que permitem tomar decisões informadas e baseadas em dados, são já comuns noutros setores. Nós queremos trazer os benefícios dessas soluções para o setor da construção, que tem tradicionalmente uma adoção de inovação mais lenta.

Quais os principais desafios que as empresas enfrentam ao implementar soluções de Inteligência Artificial na construção e como superá-los?

A IA tornou-se uma buzzword. Isso, por um lado, ajuda na sua adoção, mas por outro pode criar expectativas irrealistas. O primeiro desafio prende-se com o que é realmente possível fazer com IA. Um sistema de IA pode (e muito provavelmente vai) errar. É necessário selecionar bem os processos que queremos automatizar e a estratégia para validar o resultado desse processo. Depois existe um desafio de aceitação e confiança nestas tecnologias para quem isto tudo é ainda novidade. Na minha opinião, a melhor forma de enfrentar este desafio é com uma metodologia iterativa envolvendo as pessoas no processo. As pessoas ficam familiarizadas e desmistificam a tecnologia. Estes são os desafios humanos, passemos agora aos desafios organizacionais e técnicos. Consoante o processo e a aplicação da IA, será necessário mais ou menos dados. Este é um problema se a empresa não tiver ainda uma cultura de dados. Ter esta cultura significa ter processos digitalizados, armazenar informação digital e ter uma consciência clara dos benefícios da tomada de decisão baseada em dados. As empresas devem começar a adotar esta cultura o quanto antes, pois é algo que leva o seu tempo. As camadas de gestão da empresa devem conseguir ver o potencial e limitações, e isso passa por se informarem e aprenderem sobre o tema.

Como vê futuro da construção digital no país e quais tendências emergentes que poderão moldar o setor nos próximos anos?

Não gosto muito de fazer futurologia, ainda para mais no contexto mundial atual tão instável e em mudança tão acelerada. No entanto, o BIM veio para ficar, até pelo que vemos em muitos outros países europeus, como no Reino Unido, França, Alemanha, Noruega ou Polónia, que contam já com uma taxa de adoção BIM no setor da construção bastante elevado. Em 2030 os projetos de obra pública terão de ser apresentados com modelos 3D BIM com informação seguindo a metodologia BIM e em 2027 algumas câmaras terão já projetos piloto. A adoção de BIM estabelece uma base digital para a automação de processos e implementação de IA. Atividades mais rotineiras como a elaboração de mapas de quantidades, processos administrativos serão altamente otimizados com recurso a IA. E aqui o receio das pessoas não se deverá prender com a sua substituição por agentes autónomos, mas sim com a sua substituição por outras pessoas que utilizem ferramentas de IA que as tornem mais eficientes. É de ressalvar que a IA não é um bálsamo milagroso e é necessário manter um espírito crítico em relação ao que ela produz. Penso que no futuro teremos as pessoas mais focadas nas atividades de maior valor acrescentado e que tipicamente lhes dão mais gozo. Atividades que requerem mais pensamento crítico e estratégico. A escassez de mão-de-obra existente no setor (que é um problema verificado em muitos continentes, não apenas em Portugal ou na Europa) pode ser parcialmente resolvido com as melhorias de eficiência e eficácia trazidas pela IA e pela automação. No entanto, e ao contrário do que historicamente é referido, os empregos “white collar” são aqueles cujas tarefas têm agora maior potencial de ser otimizadas, enquanto os “blue collar”, como canalizadores e electricistas, são as que ainda se devem manter com menor potencial de otimização. A sustentabilidade é também um tema inevitável e que já está a moldar o setor. É um tema especial porque, generalizando, o dono de obra não quer pagar mais para ter um produto mais sustentável. Materiais ou processos mais sustentáveis têm que vir associados a ganhos económicos.

Poderemos ver no futuro isto aplicado em obras em Almeirim?

Julgo que é inevitável, até devido à obrigatoriedade da introdução do BIM nas obras públicas. Mais tarde ou mais cedo veremos este tipo de tecnologias em obras em Almeirim, e, como em tudo, quanto mais cedo começar a ser feito esse caminho, melhor. Já vemos a CMA a requisitar modelos 3D de projetos de maior dimensão, em que esse investimento justifica o retorno, com benefícios em termos de comunicação social, e possivelmente outros. Há um caminho a percorrer para que as tecnologias sejam bem implementadas, e é preciso também escolher as soluções mais apropriadas. A tecnologia serve para nos servir, melhorar o que fazemos e não nos devemos tornar reféns dela. O Plano Geral de Drenagem de Lisboa é uma grande obra pública que está já toda a ser gerida e executada com recurso à metodologia BIM, e existem já forças de trabalho e divisões nalgumas câmaras nacionais – tipicamente aquelas com maior orçamento e com maiores obras públicas – a explorar e mesmo a implementar a metodologia. Estas estarão em posição mais favorável para trilhar este caminho, enquanto as outras seguirão os seus passos de forma mais informada para minimizar erros. Como em tudo, os erros irão sempre existir, mas são necessários ao avanço. Só não erra quem não tenta.

Que conselhos deixa aos jovens empreendedores que desejam ingressar no mercado de tecnologia aplicada à construção, baseados na experiência como cofundador da Zummer?

Como muitos saberão, o setor da construção não é fácil. Resiliência e paixão pelo setor, pelos problemas do setor, são fatores essenciais ao sucesso. Quem quer empreender nesta área (e em todas as outras) não pode estar motivado apenas pela promessa de riqueza, mas principalmente porque acha que tem algo a trazer à sociedade. O retorno financeiro vem depois, caso façamos um bom trabalho. Também é importante “desromantizar” o empreendedorismo. Tem muito pouco de glamouroso. As histórias que ouvimos nas notícias devem representar menos de 0,001% dos casos. Não é para a gente e está tudo bem com isso. É preciso uma certa dose de tolerância à incerteza, e uma das maiores capacidades de um empreendedor é o de minimizar o risco. Aconselho a terem uma almofada financeira para aguentar os primeiros tempos. Se possível, manter um emprego enquanto se testa a ideia para perceber se há mercado. Nada disto é absolutamente necessário, eu próprio não o fiz, mas idealmente tê-lo-ia feito. Dependerá das circunstâncias de cada um. Talvez o melhor conselho que possa dar é manter um espírito crítico e aceitar que não há receitas milagrosas. Há muitos “mandamentos” do empreendedorismo que nós não pudemos seguir devido às idiossincrasias do setor da construção. Encontrem um problema que os apaixone e tentem resolvê-lo. Por último, leiam, façam projetos, viajem, conversem com outras pessoas. Nunca parem de aprender.


Data Nascimento: 24 de Fevereiro de 1990

Passatempos: Ténis, planear viagens e viajar para locais “desterrados” (as favoritas foram às ilhas Molucas e Raja Ampat na Indonésia e às Galápagos no Equador), ler, jogar futebol com os amigos e trabalhar (sim, como gosto do que faço, por vezes é um passatempo).