Em setembro de 2022, Cristina Carvalho decidiu mudar de vida e dedicar-se aos seus negócios. Numa fase em que os professores são tão criticados, a docente faz a defesa de uma carreira. A professora sublinha que a noção de tempo é uma da principais mudanças.
Há quantos anos deixou a escola para se dedicar à Loja e aos projetos de remodelações de casas?
Solicitei licença sem vencimento de longa duração em setembro de 2022, o que significa que deixei a escola há cerca de dois anos e uns meses. Contudo, permita-me esclarecer: não saí porque tinha o desejo de me aventurar em novos projetos. Procurei novos projetos porque me sentia muito cansada, desmotivada e com dificuldade em gerir um desgaste físico e mental muito grandes na profissão que tinha. Continuaria com prazer a ensinar… se ensinar fosse apenas ensinar! Durante o meu percurso, tive o privilégio de visitar escolas em França e na Finlândia, graças ao Programa Erasmus, e de testemunhar a simplicidade inspiradora com que lá se resolvem questões que, em terras lusitanas, são autênticos labirintos burocráticos. Lecionar não é fácil em lugar nenhum, é uma profissão muito desafiante, mas não é necessário complicar tanto tudo como se faz em Portugal (na minha opinião, claro). Infelizmente, a avalanche de papéis e, pior ainda, as “inovações” constantes dos sucessivos Ministérios da Educação acabaram por me roubar a vontade de continuar. Na minha opinião, o foco central do professor deveria ser o que realmente importa: preparar aulas e atender às necessidades dos alunos, o que, diga-se de passagem, não é tarefa fácil.
Foi difícil a decisão? Porquê?
A decisão de abandonar a escola foi tudo menos precipitada. Foram precisos anos de ponderação para, finalmente, dar este passo. Fica-nos sempre a sensação de que ainda fazemos falta, de que estamos a abandonar uma missão antes de a terminar, sem falar na inevitável ansiedade em relação ao futuro. Claro que ter um plano alternativo me ajudou a reunir a “coragem insana” para mudar de rumo, mas esse plano já foi criado com esse objetivo. Quando cheguei à conclusão de que não queria passar o tempo à espera que o tempo passasse, porque o tempo é a nossa vida, e sentia que o meu tempo estava a passar sem que eu usufruísse dele com satisfação, decidi que tinha chegado a hora de arriscar na mudança. Uma cena que guardo na memória aconteceu logo no mês seguinte à minha saída da escola. Andava eu a varrer e lavar a entrada da minha loja, quando uma colega passou a caminho de uma formação no cineteatro. Divertida, parou para me perguntar se eu tinha deixado o ensino para “aquilo”. Não pude evitar sorrir, porque, para mim, naquele momento, preferia mil vezes estar ali, de esfregona e balde na mão, do que sentada numa sala a ouvir uma formação que já não me dizia respeito. Acho que dignidade não está no que fazemos, mas no propósito e na paz com que o fazemos.
Não se arrepende?
Não sei. Até agora, mais de dois anos passados, ainda não me arrependi nada, mas o futuro pertence a Deus. Durmo melhor, vivo com mais serenidade, continuo a conseguir viver do meu trabalho e a fazer descontos para a Segurança Social. Se um dia me arrepender, concorro de novo para dar aulas. Ao que parece, vagas não faltam – e isso, infelizmente, diz muito sobre o estado da profissão. Fico genuinamente triste sempre que ouço comentários depreciativos sobre os professores. Para mim, são verdadeiros heróis! Até mesmo os “maus” professores contam com a minha empatia, porque acredito que, para chegarem a esse ponto, enfrentaram desafios avassaladores. Poucas profissões são tão desgastantes e exigentes quanto esta. O professor vive constantemente sob escrutínio – de alunos, pais, colegas, da sociedade inteira. Ou se desenvolve uma carapaça robusta ou se é inevitavelmente engolido pelo sistema. No entanto, pela responsabilidade e importância desta profissão, que molda as bases da sociedade, penso que os professores que não reúnem critérios para lecionar deveriam ser encaminhados para profissões ou tarefas alternativas. Não me arrependi de ter escolhido ser professora, mas também não me arrependo de ter deixado de o ser. Chegou a hora. Foram cerca de 35 anos a lecionar. A vida passa muito depressa. E, na minha cabeça, a questão era e se a minha vida terminasse sem que eu tivesse tido tempo de viver com calma, de ser dona do meu tempo (na medida do possível, claro, porque não somos donos de nada)?
Como mudou a sua vida?
Continuo na mesma casa, com a mesma família, com o mesmo conforto de vida (nível de vida é uma expressão demasiado ambígua) e continuo a entusiasmar-me com projetos, só que agora faço tudo com mais tranquilidade, trabalho para mim, ao meu ritmo. Já não acordo com despertador (o que é maravilhoso) e dou-me ao maior luxo que conheço, que é poder usar o meu tempo como acho melhor. O meu email está muito mais simpático e tranquilo e exige-me muito menos coisas, o que é uma bênção muito grande.
Na loja True está muito do que a Cristina gosta de vestir?
Visto quase exclusivamente Loja True, gosto imenso das nossas roupas! Temos marcas muito diversificadas que combino com o meu estilo pessoal e com as tendências de cada coleção. Às vezes, lá perco a cabeça com uma ou outra marca, quase sempre de roupa desportiva, para as caminhadas que raramente faço. Gosto de caminhar à beira-mar, mas o mar está um bocadinho longe… É uma das poucas coisas que o senhor presidente da Câmara ainda não conseguiu trazer para Almeirim (risos), apesar de haver aqui imensas opções para caminhadas.
Como escolhe as coleções?
Sigo um conceito simples, mas inclusivo: disponibilizar peças de roupa para todas as mulheres, independentemente da faixa etária, da estrutura física e, dentro do possível, da disponibilidade financeira. A seleção é sempre pautada pelo meu gosto pessoal – escolho as marcas e peças que mais me aliciam. Confesso que, ultimamente, me tornei mais exigente. Com mais tempo disponível, consigo acompanhar melhor as tendências e, sobretudo, alinhar as escolhas com os gostos e necessidades das minhas clientes. Trabalho exclusivamente com marcas e faço questão de garantir diversidade nas peças, para que cada mulher que nos visita encontre algo que lhe agrade e reflita o seu estilo, fazendo-a sentir-se bem consigo própria.
Ter um pouco de decoração veio do gosto que tem pelas casas?
Claro que sim. As nossas casas são extensões de quem somos, refúgios que contam a nossa história. É por isso que decorar e remodelar espaços é tão aliciante. O fascínio começa na idealização do que é possível fazer. Mudar a funcionalidade de uma casa ou apenas o seu aspeto é um processo muito interessante e divertido. Pequenos detalhes – como almofadas novas – podem transformar completamente um espaço. Mais do que estética, acredito que a decoração e as remodelações têm impacto direto no bem-estar das pessoas. A zona de decoração da loja True surgiu durante a pandemia. O comércio foi obrigado a fechar, as aulas foram suspensas e depois retomadas à distância e pensei que poderia fazer algo com esta oportunidade. Pensei em reestruturar a loja e criar uma zona de decoração e presentes originais. E assim aconteceu.
Qual vai ser a moda para este inverno?
Cada mulher tem a sua identidade na forma de vestir, mas acabamos por adaptar as tendências de cada coleção ao nosso estilo. Nesta coleção outono-inverno, muitos designers inspiraram-se no estilo britânico, no mar e no futuro. O charme britânico está presente com peças clássicas reinterpretadas: xadrez, tweed e sobretudos, não esquecendo a estética equestre e os blazers. A influência marítima aparece nos tons de azul profundo, verde e branco, tecidos como lã e malhas grossas e botões dourados, a lembrar os marinheiros também estão presentes. Por outro lado, há uma forte inspiração futurista, com tecidos metálicos, cortes geométricos e elementos vanguardistas. Estas tendências trazem um mix interessante de nostalgia, aventura e inovação. Nas cores destacam-se os tons clássicos como preto, branco, bege, castanho e vermelho, mas as possibilidades permanecem diversificadas. O animal print também surge predominante nas coleções.
As suas clientes são muito exigentes?
As nossas clientes são as melhores do mundo e, como todas as mulheres que se prezam, são exigentes, sim. Como me disse uma cliente sobre a minha colaboradora Verónica “Ela entra no nosso psicológico e sabe o que nós queremos!”. É preciso adivinhar os gostos, saber ouvir, saber sugerir alternativas e, muitas vezes, preencher a necessidade que têm de atenção e de serem ouvidas. Tenho a melhor colaboradora do mundo, por isso as exigências são satisfeitas com toda a dedicação, porque quem compra quer sentir-se bem e é esse o nosso objetivo. Sem exigência não chegamos a lado nenhum.
Gosta muito de viajar. Quando o faz está a pensar nas tendências e no que fazer/adotar na True?
Acredito que quase todos compartilhamos a paixão por viajar… E, confesso, não sou exceção. Embora me considere uma viajante de perfil pouco aventureiro: tenho explorado a Europa, principalmente. Já viajei a trabalho, para ir a feiras internacionais escolher marcas e coleções, mas, ultimamente, os meus destinos têm sido mais motivados pelo prazer e pelo desejo de conhecer novos países. Não viajo com a intenção de procurar tendências, mas é impossível a moda e a arquitetura me passarem despercebidas. Por exemplo, na Ilha Terceira, já andei a fotografar fachadas e gradeamentos com chuva torrencial, mas a ousadia das cores das casas e os trabalhados do ferro a isso compeliram. As casas e as portas da Finlândia também inspiraram a minha última remodelação (há uma porta amarela em Almeirim inspirada na minha visita a Porvoo). Aproveito, também, as minhas viagens para observar montras, a disposição dos artigos e as novas marcas que surgem – é um impulso irresistível. A montra da True desta coleção é inspirada pela minha cidade do coração, Londres. Assim que percebi que o estilo britânico era inspiração para a temporada, a montra ficou logo planeada. As experiências e os lugares por onde passamos enriquecem-nos, ficam a fazer parte de nós, ampliando os nossos horizontes.
Que mensagem deixa a clientes, amigos e fornecedores?
Desejo que cada cliente, cada amigo, encontre o seu rumo. Por vezes, andamos perdidos, sem objetivos, sem foco. Esta vida nem sempre é fácil, mas somos nós os timoneiros da nossa determinação. Sou uma mulher cristã, com convicções fortes, não na religião, mas em Deus e Deus tem-me ajudado nestas decisões difíceis e no rumo a tomar, por vezes sem outro apoio que não o Seu. Desejo que cada pessoa possa aproximar-se mais de Deus e ter paz. Não consigo pensar em algo melhor para vos desejar. Aproveito também para desejar um Feliz e Santo Natal a todos.