Com as dificuldades de navegação nas águas do “Cabo do Medo” (Cabo Bojador) resolvidas por Gil Eanes em 1434, vai iniciar-se a verdadeira “Expansão Marítima Portuguesa” apoiada pela Ordem de Cristo da qual o Infante D. Henrique era o administrador, razão da cruz, símbolo desta Ordem, adornar as velas dos barcos dos Descobrimentos.
Navegando para o Sul rapidamente chegam à costa da Mauritânia. Esta navegação foi lucrativa, não só pelo ouro, mas também pelas razias que a cavalo se faziam para o interior. Em 1443 Nuno Tristão alcançava Arguim, já na “terra dos negros”, mais interessante comercialmente que a costa saariana. Era um ancoradouro seguro, adequado aos interesses comerciais: próximo das caravanas vindas do Saara e beneficiando da proximidade do entreposto de Ouadane, no interior, que passava a ser visitada pelos portugueses.
No ano seguinte, 1444, a armada de Dinis Dias fundeava na ilha de Palma, que dista da costa do actual Senegal apenas 1,5 Khm. Passou desde então a ser visitada por navios portugueses que aqui procuravam água, abrigo ou sepultura para os seus marinheiros, razão da construção do seu forte em 1448. Com bons fundeadouros e fontes, foi ponto de escala quase obrigatória para os primeiros capitães das grandes viagens dos “Descobrimentos”, quando da procura da passagem para “as Índias”: a da especiaria e a do reino cristão do Preste João, para uma frente mais antimuçulmana do que comercial.
E ao longo do século XV, percorrendo a costa Norte do Golfo da Guiné, os portugueses irão chamar às diferentes partes, respectivamente de Oeste para Este, de Costa do Marfim, de Costa do Ouro e Costa dos Escravos, face ao tipo predominante de comércio que por lá se processava. D. João II, o novo Rei, não descura as coisas de África: vai ordenar em 1481 a construção de um novo entreposto, que virá a ser o mais célebre de todos, na costa do Gana, baptizado com nome de santo, São Jorge, ficando esta feitoria conhecida como São Jorge da Mina (de ouro) pois visava acima de tudo proteger ainda mais o comércio do ouro, que enriquecia a coroa real, acrescido do ideal político de dilatar a fé, protegendo agora outros entrepostos auríferos que irão surgir na transição do século nas costas da Serra Leoa, Benim ou Libéria, entrepostos estes como os de Santo António de Axém, São Sebastião de Shemá ou São Tiago da Mina, para acolhimento e segurança dos povoadores, navios e mercadorias.
Abordemos agora como se processou a relação dos portugueses com os povos locais nestes primeiros contactos.
Em Arguim, não existia ainda entre os portugueses a intenção de se imporem. Estavam convencidos que o lucro viria das minas de ouro que iam descobrindo, mas veio a ser a escravatura, já aqui praticada há séculos, com grandes mercados pelo interior do continente, abastecidos por guerras entre as tribos nativas. Este comércio era articulado com a expansão do Islão, razão da bula papal «Dum Diversas» de 1452, do Papa Nicolau V que concedia aos portugueses a “plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão”. Para além de ouro e escravos, os portugueses adquiriam também os gatos-de-algália, animais raros possuidores de glândulas que produzem uma secreção acre utilizada na confecção de essências para perfumes, algo importante ao tempo, não só na higiene pessoal, mas também na prevenção de doenças”. Os holandeses conquistam Arguim em 1633.
Quanto à Ilha de Palma, pelas visitas frequentes dos navegadores portugueses e fortes relações comerciais com um chefe local, Bezeguiche, vai a angra tomar o seu nome. Em 1482 já possuía uma capela. Em 1529, estabelecem-se os portugueses na ilha a pedido do senhor local de nome Gudumel, e aqui constroem o Forte de Bezequiche (hoje Dakar) impondo o domínio português, sob a forma de submissão voluntária do reino local, o que viria a acontecer em muitos outros locais. Em 1536 foram erguidas uma feitoria e uma “casa de escravos”, vindo esta a transformar-se num dos mais activos centros de comércio de escravos africanos. Vinham ao encontro das necessidades de um comércio em expansão. Estabelecia-se um ciclo rendoso de parte a parte. Por ser grande centro de comércio de escravos, a ilha foi disputada ao longo de 100 anos por vários países europeus e chegou a ouvir-se, entre africanas e europeias, cerca de 20 línguas. A partir de 1595, o apoio à navegação facilitado pelos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe (que falaremos na próxima crónica), atirou para segundo plano a habitual escala na ilha da Palma. Em 1625, os holandeses ocupam-na, mudam-lhe o nome para Goedereede (bom porto), hoje Goreia e põem fim a 100 anos de presença portuguesa.
São Jorge da Mina, como já referido, era o forte português mais importante na zona do Golfo da Guiné. Tudo quanto foi necessário para a sua construção, quer a mão-de-obra especializada como pedreiros, carpinteiros e demais especialistas, quer materiais como pedra trabalhada e numerada, gesso, cal e outros produtos variados foram levados de Portugal, alguns como lastro dos navios. Foi verdadeiramente a primeira das fortificações europeias ao Sul do Saara, cercada
por uma zona chamada “duas partes” nada mais que duas povoações habitadas respectivamente por europeus e nativos tendo estes a capacidade de armar um exército de cerca de 150 homens para combater ao lado dos portugueses. São Jorge da Mina viria a substituir a feitoria de Arguim em importância militar e económica, passando a assegurar o comércio português na costa ocidental africana e impondo pouco a pouco o domínio português na região, visando rendimentos inerentes à plena soberania. Daqui irão para Lisboa mais de 400 quilos de ouro por ano. Duarte Pacheco Pereira, famoso cosmógrafo e navegador dos séculos XV-XVI, autor do «Esmeraldo de Situ Orbis», que participou das negociações do Tratado de Tordesilhas e capitão de guerra e herói de Cochim na Índia em 1504, Capitão-mor desta feitoria-fortaleza desde 1519 veio preso para Lisboa em 1522, acusado de contrabando de ouro. Logo depois libertado, desconhece-se, ainda hoje, as verdadeiras razões de tal decisão real, para com este herói nacional. Serão os holandeses que ocuparão São Jorge da Mina após 150 anos de domínio português.
[Bibgª: R. de Pina, J. Serrão, L. de Albuquerque, F. de Almeida. Por decisão pessoal, o autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico].
Cândido de Azevedo