MEMÓRIAS E CURIOSIDADES DE UM DESAPARECIDO IMPÉRIO: 8 …e assim nasceu o maior carnaval do mundo!

Conforme referido na última crónica, nos meados do século XV já os navios portugueses circulavam, com relativo à vontade, pela costa do Golfo da Guiné, chamando às diferentes regiões, respectivamente de Oeste para Este, de Costa do Marfim, Costa do Ouro e Costa dos Escravos, face ao tipo predominante de comércio que por lá se processava. De igual forma, apelidaram outras regiões visitadas, pelas suas particularidades geográficas ou naturais como Serra Leoa, Gabão (significa casaco), Camarões, etc. Referi então, que em crónicas seguintes, abordaria os arquipélagos que os navegadores foram encontrando por estas águas do Atlântico na costa ocidental africana, após a passagem do Cabo Bojador por Gil Eanes em 1434 até à grande reentrância da costa mais abaixo, o Golfo da Guiné.  São eles, mais ao Norte, o arquipélago de Cabo Verde, com as suas dez ilhas e vários ilhéus, o arquipélago de São Tomé e Príncipe e as ilhas de Fernando Pó, Ano-Bom e Corisco, hoje chamado de Guiné Equatorial pela adição da região continental africana do Rio Muni. 

Todas estas ilhas desabitadas, converteram-se, a partir do século XVI até o século XIX, em postos para o tráfico de escravos. Deste comércio desumano, justificado por razões morais e religiosas, atente-se à bula papal «Dum Diversas» de 1452, do Papa Nicolau V, já anteriormente referido, e também baseada na crença da suposta superioridade racial e cultural dos europeus, falaremos mais tarde. 

Abordemos hoje as desabitadas ilhas do arquipélago de Cabo Verde até ao século XVI, pois só a partir de 1455 os navegadores portugueses as descobriram e colonizaram, estabelecendo assim o primeiro povoamento europeu nos trópicos, em 1462, na ilha de Santiago, a mais favorável para a ocupação. Para aqui vieram portugueses condenados, genoveses, flamengos e judeus. Foram estas ilhas divididas em dois grupos pela posição em relação aos ventos: o sotavento, que se situa no lado oposto ao soprar do vento, composto pelas ilhas de Maio, Santiago, Fogo e Brava, e o barlavento, do lado favorável do vento, composto pelas ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal e Boa Vista. Dada a sua posição estratégica, nas rotas que ligavam entre si a Europa, a África e o Brasil, as ilhas serviram, a partir do século XVI, de entreposto comercial e de aprovisionamento, com particular destaque no tráfego de escravos. Este desenvolvimento comercial vai rapidamente atrair mercadores, corsários e piratas.

Os escravos africanos que permaneceram nas ilhas, mostraram-se resistentes ao clima e aos trabalhos impostos pelos terratenentes, como o da criação de gado, a plantação de milho e da urzela. Porque a gravidade do clima não atraiu mulheres brancas rapidamente se deu a miscigenação com mulheres escravas.

Vejamos algumas curiosidades relativas a este arquipélago.

Cristóvão Colombo esteve em 1498 na ilha da Boavista e deixou um relato muito preciso do processo de desova das tartarugas marinhas, as mesmas a quem os portugueses daqueles tempos recolhiam e bebiam o sangue para a cura da lepra. 

Foi da ponta de Chão de Morgado, na ilha de Santo Antão, o ponto mais ocidental de África, que a 7 de Junho de 1494 se marcaram os 1770 km para Oeste, estabelecendo o meridiano que dividiu o mundo em duas áreas de influência entre portugueses e espanhóis, nada mais que o famoso Tratado de Tordesilhas.

Desarmada e sem grandes precauções com a defesa, porque localizada no meio do Atlântico, fará o arquipélago vítima de ataques de piratas e corsários espanhóis, franceses, ingleses, holandeses e até turcos, principalmente entre 1560 e 1585. O famoso Francis Drake, corsário da Rainha Britânica, saqueou e incendiou Ribeira Grande, na ilha de Santiago o que obrigou à mudança da capital para Praia. A primeira fortaleza, o forte de São Filipe, só será edificado 150 anos depois do descobrimento do

arquipélago.

D. João Mascarenhas, filho do donatário da ilha de Santo Antão, fugido para Inglaterra por aventura amorosa, já falido, teve em 1724 a ousadia de vender a ilha aos ingleses, assumindo-se estes pouco depois, como os novos donos. Uma força chefiada pelo Coronel Álvaro Sanches de Brito, interveio voltando a integrar a ilha na Coroa portuguesa

Em 1831 navegando a bordo do Beagle, Charles Darwin surpreende-se com a vida natural e a geologia destas ilhas, recolhendo elementos para a sua conhecida teoria da evolução, apresentada no livro “A Origem das Espécies”. 

Devido à aproximação do deserto do Saara, secas, fomes, estiagens completas e a varíola foram uma constante que ocasionaram, em 1864, mais de 29.800 mortos, levando a população a comer troncos de bananeiras e carne de burros mortos por falta de vigor. De vez em quando uma erupção vulcânica contribuía para a miséria e a doença. 

Como sociedade esclavagista que era, os primeiros a serem alforriados neste arquipélago eram as escravas amantes, conhecidas por “escravas portas adentro”, os filhos bastardos, escravos mulatos e os de grande confiança. Os escravos que partiam para o Brasil, ali introduziram os seus movimentos corporais, dança e ritmo africanos e que foram adaptados ao entrudo, hoje carnaval. Foram estes portadores de um conjunto de ritmos, os “afoxés”, que começando por se misturar inicialmente com a “tabanka”, uma espécie de uma procissão dançada, a que se lhe juntou mais tarde o “batuku”, uma dança onde predominam o oscilar do corpo e o requebrar das ancas, tudo a acompanhar o tempo forte do ritmo, evoluirá nos finais do século XIX para o samba. Assim nasceu no Brasil o maior carnaval do mundo. 

Em 1869 foi criado em Cabo-Verde um Governo no qual os territórios portugueses da Guiné, unidos em distrito, passaram a fazer parte. Este governo durou até 1879, altura em que a Guiné passou a ser governada autonomamente. Cabo Verde obteve a sua independência em 5 de julho de 1975, data que terminou com 520 anos de colonização portuguesa.

[Bibgª: M. Santos, L. de Albuquerque, F. de Almeida. Por decisão pessoal, o autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico].

Cândido de Azevedo