‘A reforma do entretenimento rápido’, por Clara de Freitas

“Não dá nada de jeito na televisão”, ouço esta frase com grande frequência desde que me lembro de ser pessoa. Frase esta é factual e comum a muitos domicílios.

Na sociedade em que nos inserimos vive-se a cultura da gratificação rápida. Todas as nossas necessidades básicas são satisfeitas sem muito esforço. O mundo evoluiu para que tal fosse assim, para facilitar a vida do Humano. É-nos familiar o termo “fast food” (lá está a necessidade de alimentação satisfeita em meros minutos), mas apresento agora o termo “fast entertainment”.  

Com a vida atarefada que levamos, o entretenimento que procuramos, já cansados ao fim do dia, é algo de rápido acesso, fraco em informação e muito frequentemente de pouca qualidade. Contentamo-nos com “reality shows” e telenovelas repetitivas a quais falta substância. Até certos leitores caiem na “manha” da gratificação rápida quando leem, quase exclusivamente, romances de leitura que, na minha opinião, é demasiado fácil e simplista. O conteúdo destes livros? Relações amorosas confrontadas por adversidades complexas, que durante o enredo e após o “final feliz” nunca são bem exploradas. Ao assistir programas e ler livros sem essência palpável, o único benefício que retiramos de o fazer é a momentânea libertação de serotonina. O entretenimento rápido liberta no cérebro humano endorfinas, dopamina e serotonina sem que o mesmo tenha de realizar qualquer tipo de esforço ou criar qualquer linha de pensamento superior à básica. 

A televisão portuguesa é, neste momento, o cúmulo da gratificação rápida e do “fast entertainment”. Sem substância, sem informação, sem espírito crítico e sem qualquer elemento que “puxe” pela cabeça. O povo ri para a televisão e mantem-se ignorante. Já dizia o filósofo grego Sócrates: “Existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorância”. Não proponho qualquer tipo de censura sobre conteúdos que permitam a todos nós sentir alegria após um dia exaustivo. Na verdade, tal proposta é tirânica e descabida. Proponho apenas um aumento de qualidade nos “media” para um melhor desenvolvimento do conhecimento do Homem. Diz a autora e professora Gill Branston que um programa televisivo “não deve ser usado apenas para fins de entretenimento” e que “tem um papel educativo, pode ajudar a criar uma democracia esclarecida e informada”. O conteúdo consumido pela nação afeta, sem dúvida, o pensamento da mesma. Tal não é segredo para os portugueses, que durante o Estado Novo se encontravam limitados no seu acesso à informação. Atualmente, não existem restrições à informação a qual temos acesso e, na verdade, aceder a esta informação é muitas vezes tão simples como um “clique”. Então, porque razão escolhemos a ignorância? Afirmo que a ignorância não é felicidade, mas sim o oblívio.

Em Portugal são poucos os bons filmes, são poucas as boas séries e entristece-me ver que caminhamos para os poucos bons livros. Reformemos então esta ilusão de conteúdo, para que possamos dar lugar ao que nos enriquece – entretenimento cativante e rico em essência de conhecimento. Voltemos aos grandes escritores e pensadores portugueses que orgulham a nação. Criemos cinematografia portuguesa de alta qualidade que ultrapasse as fronteiras nacionais. Voltemos ao teatro, à ópera e ao ballet. Voltemos a apreciar a arte e tudo o que ela é e tem para nos oferecer, não apenas as “drogas” naturais do cérebro. Se “fast food” faz mal à saúde então o “fast entertainment” faz mal à alma.


Opinião, Clara de Freitas