‘O poder das vacinas’, por Teresa Gil Martins

Alguns vírus, bactérias e parasitas podem provocar doenças graves nos seres humanos, deixar sequelas irreversíveis ou colocar a vida em risco. O sarampo é um exemplo de uma dessas doenças. 

Estes agentes infecciosos vivem nas pessoas infetadas enquanto a enfermidade persiste e propagam-se contagiando outros indivíduos. Só são debelados quando a enfermidade fica curada e quando o circuito de contágio for definitivamente interrompido. As crianças são-lhes particularmente vulneráveis.

A transmissão das doenças infecciosas pode atingir diferentes níveis. Quando surge um aumento abrupto do número de casos numa ou em várias regiões, ocorre uma epidemia. Quando esse aumento localizado é quantitativamente superior ao esperado pelas autoridades sanitárias, chama-se surto. Quando a epidemia se estende por inúmeros e distantes locais do planeta designa-se por pandemia. 

A evicção é a forma mais segura e económica de lidar com situações potencialmente graves. As vacinas são armas poderosas de prevenção. Elas só são recomendadas depois de bem aferidas quanto à sua segurança e eficácia. Entidades idóneas supervisionam e confirmam o cumprimento dos requisitos nos diferentes níveis de testagem prévia. Com uma boa cobertura vacinal da população (pelo menos 80% das pessoas vacinadas) a propagação do agente infeccioso torna-se difícil e o contágio da doença grave apenas se torna viável nos indivíduos não vacinados, o que diminui significativamente o risco de surtos inesperados. 

O objetivo final das vacinas é eliminar doenças graves do planeta. Até ao momento, a única doença que alcançou esse feito foi a varíola. Após um programa de vacinação global exaustivo e decorridos cinco anos sem que se registasse nenhum caso mundial, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou-a erradicada no ano de 1980. O Sarampo já poderia ter seguido o mesmo rumo, se a cobertura vacinal não tivesse diminuído em inúmeros países. 

Dados divulgados recentemente pela OMS referem que ocorreu uma estagnação da cobertura vacinal mundial em 2023, com menos 2,7 milhões de crianças a receberem vacinas destinadas a salvar vidas do que no ano de 2019. Para além disso, 6,5 milhões não repetiram os reforços vacinais recomendados. 55% destas crianças vivem em locais afetados por conflitos, sob condições frágeis e vulneráveis. Nos últimos 5 anos foram registados surtos de sarampo em 103 países diferentes, todos eles com cobertura vacinal inferior a 80%. Em contrapartida, em 91 países com forte cobertura vacinal não se registou qualquer surto, o que reforça a importância da vacinação generalizada. 

Contudo, nem tudo são más notícias. A OMS também divulgou que em 2023 cerca de 27% das meninas adolescentes a nível mundial realizaram pelo menos uma dose da vacina do Papilomavírus Humano (HPV), responsável pelo cancro do colo do útero. Num longo percurso que ainda é necessário percorrer, este é um passo indiscutivelmente importante na luta mundial para erradicar este vírus.

Em Portugal, a vacina contra o Sarampo faz parte do Plano Nacional de Vacinação (PNV), pelo que é disponibilizada gratuitamente nos Centros de Saúde. A primeira dose é recomendada aos 12 meses, com uma dose de reforço aos 5 anos de idade. A cobertura vacinal nacional é superior a 80%, pelo que o risco de eventuais surtos é relativamente reduzido. As crianças com menos de 12 meses não estão protegidas, pelo que requerem cuidados médicos especiais se tiverem de se deslocar a países de risco e se tiverem contacto com algum caso de sarampo. O último surto ocorreu no nosso país na década de 80, tendo-se seguido um outro mais ligeiro na década de 90. Muitas dessas crianças tiveram internamentos prolongados, algumas delas em cuidados intensivos. Algumas sobreviveram com sequelas importantes. Os casos recentemente ocorridos no nosso país são esporádicos e não estavam vacinados, por serem oriundos de países de risco ou por recusa voluntária dos seus cuidadores.

A vacina do HPV também já está incluída no nosso PNV, constituindo um valioso contributo para tentar erradicar o vírus que tantas vítimas já provocou. A primeira dose é recomendada entre os 9-10 anos de idade, com uma dose de reforço 6 meses depois.

Apesar de todas as dificuldades, urge proteger todas as crianças do mundo, uma vez que 3 em cada 4 crianças sem vacinas vivem em países onde se registaram surtos de sarampo nos últimos 5 anos. Em países desenvolvidos, os grupos anti vacinas são vítimas de desinformação e constituem um número residual na fração mundial não vacinada. No entanto, são responsáveis por um aumento indesejável de infeções que deveria ter sido evitado e pelo contágio a crianças saudáveis com idade inferior a 12 meses. Recusando voluntariamente a administração recomendada, os cuidadores estão a negligenciar a saúde individual das suas crianças e não estão a colaborar para a proteção coletiva de toda a comunidade.

Prevenir é mais seguro, mais cómodo e menos oneroso do que tratar. O sucesso e a eficiência do investimento público global para manter uma boa cobertura vacinal dependem da colaboração e do empreendimento de cada um de nós. Num estado democrático, é importante que a liberdade de opção individual seja alicerçada em conhecimentos científicos fidedignos. Só assim poderão ser tomadas decisões ponderadas, conscientes, responsáveis, isentas de riscos e capazes de contribuir para o Bem Comum.


Teresa Gil Martins – Pediatra