Hortopaço: 20 anos de resiliência

A Hortopaço surgiu há 20 anos pela necessidade de escoar produtos. O número de associados é hoje menor do que quando foi criada, mas a faturação cresceu 10 vezes. António loureiro conta a história de uma organização que elogia a mão de obra estrangeira e que acredita no futuro.

Como é que surgiu esta cooperativa, a Hortopaço?
A Hortopaço surgiu de um grupo de agricultores pela necessidade que havia de escoar os produtos. Juntamo-nos e compramos um terreno que já vinha de outra organização de produtores, a Ribatomate, da qual todos éramos associados também. O tomate de indústria parou aqui nesta zona, porque na areia a sua produção é mais complicada, e voltamos às hortícolas. Nessa altura, pensamos em escoar os produtos e criamos a Hortopaço. Foi aí que começou, éramos 22 na altura.

Qual a importância que tem esta cooperativa e a que culturas é que se dedicam?
Neste momento, somos menos associados porque uns foram ficando velhos, outros desistiram da agricultura. Outros voltaram-se para outro tipo de profissões e foram deixando a agricultura. A agricultura não é fácil.
E eu fui ficando. Havia uns encargos com a cooperativa na altura, até bastantes. Eu e a minha família, um filho que é “tonto”, que em vez de ir para a universidade quis vir para a agricultura, fez o 12º ano e veio para cá. Então agarrei-me a isto com a minha família e, neste momento, na cooperativa somos os associados, é tudo da família. Para não deixar isto ir embora, porque era o que tudo indicava, pois havia vários encargos financeiros. Fez-se um empréstimo quando se fez a cooperativa e comprou-se o terreno à Caixa Agrícola. E nessa altura, isto ia parar às mãos da Caixa Agrícola e iria ser vendido a outros tipos fora da organização. Para não deixar desaparecer, eu e a minha família ficamos com o negócio. Por isso, continua a ser cooperativa, mas somos só cerca de 10 associados neste momento.

Uma cooperativa familiar…
É isso mesmo. As culturas, o que fazemos principalmente, batatas, cenouras, pimentos, brócolos, mas o grosso da coluna aqui é o morango, neste momento. No ano passado, produzimos cerca de 500 toneladas de morango, o que para esta cultura já é muita coisa. O volume de negócios também cresceu bastante, passamos de 350 mil euros no primeiro ano, para mais de 10 vezes, mais de quatro milhões. O volume de negócios da cooperativa é de mais de quatro milhões de euros.

Quantas pessoas é que empregam aqui?
Na sede/pavilhão somos poucos. Neste momento, até contratei um técnico para tempo inteiro, porque temos uma técnica que nos dá apoio no morango, em regime de part-time, mas ela também, estava atarefada e agora contratei um novo técnico, que vai entrar dia 1 de setembro a tempo inteiro. Portanto temos a contabilista, a responsável comercial e só mais duas ou três pessoas ali no armazém. Aqui, porque no campo tenho 50. Entre tratoristas e operários agrícolas são cerca de 50 trabalhadores.

Considera que a agricultura em Portugal está a viver bons momentos?
Há quem diga que sim, mas se calhar não é tão fácil assim. Porque isto é muito ingrato. Eu dou-lhe um exemplo. O ano passado toda a gente queria melancias. Este ano fiz uns hectares de melancias, algo que já não fazia há alguns anos. Estão a ficar todas na terra, ninguém quer melancias. Isto é um exemplo do que é a agricultura em Portugal.

Há excessos e escassez de produtos?
Eu não sei se há excessos, porque eu vou às grandes superfícies. Por exemplo, vi em Almeirim, as melancias a um euro. Provavelmente nem todas as carteiras compram, porque uma melancia de sete ou oito quilos, são sete ou oito euros. E as pessoas, se calhar, dão prioridade a outras coisas, como é o caso do leite e outros alimentos, em primeiro lugar. Porque uma melancia por oito ou nove euros já pesa nos ordenados que temos no nosso país, infelizmente. Eu sou empregador, pago ordenados, mas digo que este país nunca anda para a frente com ordenados assim. A ideia que tenho é que se as pessoas não têm poder de compra, a economia não mexe. Provavelmente há colegas meus que vêm ao contrário, mas eu vejo assim.

Para si, quais são os grandes desafios deste setor nos próximos anos?
Para já, um dos grandes desafios é a mão de obra, porque se não fossem os estrangeiros, que se fala, por vezes, mal deles, não tínhamos trabalhadores. Esse é um dos desafios, porque cada vez há menos gente a querer vir para aqui. E há um desafio que é também muito importante, que me estão a impor, os produtos fitofármacos. Há produtos similares, de outras origens, que não cumprem o que os europeus estão neste momento a cumprir. Em França, na Bélgica, na Alemanha, está tudo aflito, porque apertam-nos cada vez mais, enquanto que Marrocos e outros países, eu nem quero fazer ideia o que vem de lá.

Daí esta última grande manifestação dos agricultores.
Claro, esse é um grande desafio. Eu concordo plenamente com o que se está a fazer na Europa, só que as entradas deviam de ser mais controladas.

Vocês sentem a falta de mão de obra? Como é que gerem?
Sim, sim. Bem, eu tenho uma empresa que me põe todos os dias 40 trabalhadores e vamos indo.

Na sua maioria, estrangeiros?
Todos estrangeiros. Bem, ainda lá tem sete ou oito mulheres portuguesas, que já trabalham comigo há muitos anos, mas quando essas acabarem, acabou-se.

Não há pessoas mais jovens?
Não. Eu quero um tratorista e não há. Hoje, os tratores que tenho são todos com ar condicionado, são todos da marca Fendt, é o topo de gama. E não há um tratorista que queira aprender, um rapaz novo, ninguém.

Estes trabalhadores estrangeiros são, efetivamente, importantes para a empresa produzir?
Claro, sem dúvida. Pode haver quem se queixe dos estrangeiros, eu não. Tenho um grupo de trabalhadores estrangeiros muito bom. Em conversa com a empresa a quem os contrato, disse que queria continuar com este grupo e que não queria trocar de funcionários todos os dias. O gerente da empresa cumpriu a palavra e eu tenho um bom grupo.

Gosta do que faz?
Eu gosto tanto disto, que todos os dias, me levanto às cinco da manhã e tenho 70 anos. Todos os dias. E gosto muito que os meus trabalhadores me digam bom dia, porque sou o primeiro a chegar. Felizmente, tenho um neto que tem sido um bom estudante, que apesar de estar só no 11º ano, falava-me noutros cursos e agora já falou num curso agrícola. Já estou mais animado.

Gostaria que ele desse continuidade à empresa.
Sim, sim. Gostava, eu gostava.

Já tem o seu filho a trabalhar consigo e agora vai ter o neto, é isso?
Ele é que estava a falar: “Avô se calhar, ando cá a pensar, depois vou para um curso agrícola, para ficar com a Hortopaço”.

Então acha que esta empresa vai ter saúde nos próximos anos?
Eu espero bem que sim. Nos próximos 20 anos que isto continue.

As culturas em Paço dos Negros são importantes para a localidade?
São. Há muitas pessoas empregadas aqui na agricultura. E fatura-se aqui bastante, como é o caso do morango, a beringela, pimentos, principalmente produtos hortícolas. O tomate de indústria, como eu já disse, saiu daqui, agora são essencialmente as hortícolas.

Que mensagem é que quer deixar?
Espero que as pessoas continuem, porque há um, dois ou três agricultores jovens que eu admiro bastante. Eles têm vontade e penso que esses rapazes que vão para a frente.