Benfica

As alterações na geografia nos anos 60 e 70, criaram uma migração para Lisboa, para a grande Lisboa. Os estaleiros, a CUF, a siderurgia, os cimentos que representavam a indústria, mas também os serviços, a banca, os gabinetes de tudo criaram uma enorme pressão habitacional sobre a capital. Houve um “boom” da construção de habitação, sobretudo de habitação que as pessoas conseguiam pagar e para assim ser nas periferias, onde os solos eram mais baratos.

Foram os tempos de empreendedores como J Pimenta. Mas esta solução não resolvia as carências todas e, sobretudo, não havia adesão, ou ordenamento camarário na margem sul do Tejo. Nos concelhos do Barreiro, do Seixal, de Palmela, de Setúbal, sobretudo, apareceram “empreendedores” despachados que compravam quintas e as dividiam em “avos”. Eram “loteamentos” na versão (muito) simplificada. Não havia infra-estruturas, nem espaços reservados para escolas ou zonas verdes, mas as construções aconteceram e temos hoje nomes como o da Quinta do Anjo. Uma habitação não se faz num fim-de-semana, nem em dois e, com as dificuldades financeiras, “ia-se” fazendo. Milhares de casas foram construídas sem qualquer controlo municipal. As alegações de falta de pessoal não justificam a nula intervenção das Câmaras, foram cúmplices e o processo foi crescendo e sedimentando até ser imparável. 

Assumindo uma corresponsabilidade do Estado, ou das autarquias, a sua mão no local, foi feita legislação, à medida para resolver o problema. A lei apareceu em 1995 e definiu os objetivos, logo no seu artigo 1º: ser um regime excecional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI). E obriga as Câmaras a delimitar os espaços das operações. 

Ao longo dos anos, foram-se criando as associações de comproprietários, tendo sido desenvolvidos os projetos necessários à legalização e à infraestruturação. Os bancos, em particular a CGD, foram concedendo crédito hipotecário para o financiamento das infra-estruturas. Hoje, a grande maioria dos espaços são cidade. A notícia publicada pelos jornais sobre as construções ilegais em Benfica do Ribatejo, fez-me recordar a forma como em vários concelhos se resolveu este problema. Considerando o dinheiro gasto pelas famílias, bem como a carência de habitações no país, parece-me fora do contexto falar-se em demolição sem que se equacione a recuperação. As leis são feitas por homens, e as soluções também.

António Rocha Pinto, Eng