No contexto político português, a recente reaproximação entre Pedro Passos Coelho e André Ventura suscita uma reflexão mais profunda sobre as semelhanças ideológicas entre ambos. A persistência do apoio de Passos Coelho a Ventura durante as autárquicas de 2017, apesar das críticas às declarações de Ventura sobre a comunidade cigana, levanta questões sobre uma consonância ideológica mais ampla entre os dois. Este reencontro, mais do que uma simples união de amigos, parece revelar um alinhamento em perspetivas obsoletas e antiquadas, que há muito estão ultrapassadas numa sociedade contemporânea.
A situação ganha contornos de maior relevância ao considerarmos que a apresentação do livro – «Identidade e Família» – por Passos Coelho não apenas reforça laços pessoais, mas também reacende debates públicos sobre conceitos de família tradicional, onde a mulher é vista primariamente como mãe, e onde se questiona o casamento entre pessoas do mesmo género. Tais posições, ao desconsiderarem princípios de igualdade consagrados na Constituição da República Portuguesa, sugerem um revivalismo de ideias que não só são conservadoras, mas também populistas.
Este enfoque em questões ideológicas aparentemente superadas é particularmente problemático num momento em que Portugal enfrenta desafios prementes como baixos salários, impostos elevados, problemas habitacionais, acesso a cuidados de saúde, uma justiça morosa, entre outros. A sociedade portuguesa beneficia pouco de reacender um debate que não apenas desvia a atenção dos verdadeiros problemas, mas também instiga divisões e fomenta sentimentos de antagonismo.
Assim, ao dar a mão à demagogia e ao populismo, Passos e os autores do livro, “Identidade e Família”, não só perpetuam uma discussão desnecessária, como também comprometem o progresso em questões fundamentais para o bem-estar dos cidadãos. A verdadeira questão que se impõe é: por que focar em ideologias que distanciam ao invés de procurar soluções concretas para os problemas reais e imediatos que afetam a vida dos portugueses? Este recente encontro entre Pedro Passos Coelho e André Ventura revela uma opção preocupante do ex-Primeiro-Ministro ao alinhar-se com figuras e retóricas populistas. Será que o Passos Coelho, o ex-liberal do PSD, e André Ventura, ex-militante do PSD, tentam agora colocar numa situação muito delicada o atual executivo do PSD, liderado por Luís Montenegro? Este apoio pode ser interpretado como uma tentativa de empurrar Ventura e o partido Chega para uma posição de maior influência política, podendo condicionar as ações do atual Governo. Este movimento torna-se ainda mais paradoxal e irónico no contexto de Portugal estar a celebrar 50 anos de democracia, onde seria expectável uma rejeição clara de alianças com partidos de extrema-direita, que frequentemente, namoram ideais contrários aos valores democráticos fundamentais.
A decisão de Passos Coelho não apenas levanta questões sobre a sua prudência política, mas também pode ser vista como uma estratégia arriscada que poderá alienar partes significativas do eleitorado do PSD, preocupadas com a estabilidade e integridade democrática do país e com os próprios princípios das sociais democracias. Assim, espera-se que Passos Coelho tenha um momento de reflexão e bom senso, evitando uma candidatura à presidência da república que possa ser vista como um endosso a ideologias extremistas.
Neste contexto, a conjuntura atual exigiria de Passos uma postura mais congruente com os princípios democráticos e uma clara distância de políticas e parcerias que possam ameaçar o tecido democrático nacional, afastando o executivo das reais soluções para os problemas internos.
Tudo isto a desenrolar-se no marco do jubileu da democracia, um período que exige a reafirmação, e não a erosão, dos nossos princípios democráticos fundamentais.
Catarina Santos