À saída de um restaurante, confrontei-me com um cenário que me deixou pensativa. Já na rua, após o almoço, uma mãe jovem fumava e bebia descontraidamente, acompanhada do seu bebé de 6-7 meses de idade. A criança estava ao seu lado, sentada corretamente no carrinho de passeio. Muito atenta e protetora, ao sentir que uma outra senhora estranha e simpática tentava abordar o seu filho interagindo verbalmente com ele, interpelou-a com alguma arrogância e agressividade: “não toque, não mexa na criança, porque eu não gosto”. Qual seria o fundamento de uma atitude tão “protetora”?
É incontestável que os pais têm o dever de proteger os seus filhos de todas as potenciais agressões físicas e psicológicas. Mas nem todas as interações pessoais representam um perigo iminente para as crianças.
O sistema imunitário foi concebido para nos proteger das infeções. Infeções benignas obrigam o sistema imunitário a trabalhar, relembrando-o das funções para o qual foi concebido. Concomitantemente, o ser humano é colonizado por uma série de “micróbios bons” (microbioma), que vivem na nossa pele e intestino e não provocam doenças, mas interagem num equilíbrio saudável com o nosso sistema imunitário. Esta colonização inicia-se durante a gravidez (passagem de mãe para filho), prossegue aquando da passagem através do canal de parto no nascimento (pelo que um parto normal é preferível a um parto por cesariana, sempre que possível) e vai-se completando ao longo da vida da criança através da ingestão do leite materno, nas brincadeiras ao ar livre, no contacto com a natureza e com os animais. Por isso, um reportório microbiano saudável e diversificado não é compatível com uma assepsia exagerada (como ocorre nos “bebés estufa”).
As infeções benignas e um microbioma adequado conferem uma maior tolerância futura do sistema imunitário. Sem um contacto pacífico com estes agentes estranhos, as nossas defesas ficam desreguladas e podem começar a “atacar” alvos inapropriados. Se essa hiper-reatividade se orienta contra agentes do meio ambiente que, supostamente, deveríamos tolerar (pólenes, ácaros, alimentos, etc.) surgem doenças como a asma e as alergias. Se a resposta excessiva se dirige contra os órgãos do próprio corpo aparecem as doenças autoimunes e inflamatórias.
Somos seres sociais, pelo que não conseguimos viver isoladamente. O isolamento precoce limita o desenvolvimento da sociabilidade e da linguagem e, numa fase mais avançada, pode ser responsável por alterações comportamentais, problemas emocionais e psicológicos.
Em contrapartida, é consensual que o risco de infeções respiratórias é muito maior nos filhos de pais fumadores, mesmo quando estes não fumam na presença da criança. Assim, a paternidade deveria constituir o pretexto ideal para o abandono deste vício, que acarreta problemas de saúde aos filhos e não acrescenta vantagens aos pais (nem de saúde, nem económicas…).
A exposição fetal ao álcool provoca síndrome alcoólica fetal, mesmo que a grávida o consuma em muito pequena quantidade. Trata-se de uma doença irreversível, que se caracteriza por deficiências físicas, lesões cerebrais, alterações cognitivas e comportamentais, bem como problemas de crescimento. O álcool ingerido pela mãe atravessa o leite materno, pelo que também não deve ser consumido durante a fase de amamentação. O consumo de álcool pode afetar o cérebro durante toda a fase de crescimento cerebral.
Em suma, os pais têm a obrigação de proteger os seus filhos contra potenciais agressores. Neste caso, não se vislumbrando potenciais agressões contra a integridade da criança, a limitação de contactos sociais precoces parece constituir um medo infundado. Como referido anteriormente, interações sociais recíprocas são altamente benéficas para o desenvolvimento imunitário e social da criança. Em contrapartida, o consumo de tabaco pelos progenitores pode ser muito prejudicial e, no caso de amamentar, o consumo de álcool também por ter consequências indesejáveis para a criança.
Numa época de fácil acesso a uma grande quantidade de informação, convém salientar que é necessário manter uma capacidade crítica muito apurada e corretamente fundamentada. Fontes não fidedignas e cientificamente pouco credíveis condicionam convicções e comportamentos inadequados, de forma involuntária. As crianças, sem qualquer poder de decisão individual, são as principais vítimas da desinformação dos seus cuidadores.
Teresa Gil Martins – Pediatra
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