Recentemente, aconteceu algo muito raro neste país: a agricultura foi notícia. E foi porque um “movimento civil de agricultores” decidiu paralisar circunstancialmente o país, começando nas fronteiras e acercando-se de Lisboa.
Sobre este movimento “espontâneo e apartidário” pode-se tecer muitas considerações (o período pré-eleitoral também convida a isso), mas reduzir as reivindicações dos agricultores que se manifestam contra as opções políticas de Bruxelas, plasmadas no Green Deal e que não encontram tradução na nova PAC como um grupo de pessoas que vem para a rua pedir subsídios é, não só injusto, como profundamente ignorante do pressuposto com que foi pensada a Política Agrícola Comum.
A União Europeia é a bacia de produção mundial onde existem maiores garantias de segurança alimentar e isso reflete-se na evolução do indicador “anos de vida saudável à nascença”, mais útil para avaliar a qualidade de vida do que a esperança média de vida. Esta foi também uma das consequências positivas da PAC que, desde a sua construção, foi sempre promotora das práticas agrícolas mais seguras e inovadoras, privilegiando a qualidade dos produtos.
Nos dias de hoje, essa política traduz-se no combate à resistência aos antimicrobianos, promoção do bem-estar animal, proibição do uso de promotores de crescimento, critérios bastante restritivos de aprovação de produtos fitofarmacêuticos e organismos geneticamente modificados e valorização da proteção integrada e regimes de produção biológicos.
A consequência positiva é óbvia: produtos mais saudáveis colocados à disposição dos cidadãos europeus. A consequência negativa também é óbvia: perda de competitividade pelo aumento dos custos de produção face aos concorrentes mundiais.
Num mercado globalizado, o mecanismo de apoios financeiros à produção agrícola é a forma de, em primeira instância, proteger o mercado interno europeu, garantindo que a Europa continua a ter produção primária e, em segundo lugar, garante a compensação da perda de rendimento dos agricultores europeus para produzirem de acordo com as regras europeias.
Os apoios da PAC são o preço a pagar para garantir que não temos o nível de segurança alimentar da Ásia, a insustentabilidade ambiental da América ou a escassez de África.
E tudo isto resulta na colocação de produtos no mercado a preços acessíveis. Importa, por isso, entender que os verdadeiros beneficiários dos apoios à agricultura são os consumidores e que são estes que sofrem o desincentivo à produção agrícola na Europa.
O atual quadro comunitário de apoio está objetivamente mal desenhado porque não consegue conviver com a estratégia do Prato ao Prato que o ex-comissário Timmermans quis implementar com o objetivo único de matar a agricultura na Europa, e isso terá consequências políticas que serão evidentes nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, com o crescimento de partidos nacionalistas que são, por definição, muito pouco europeístas.
Mas isso não significa que o menino deva ser mandado fora com a água do banho. A Política Agrícola Comum é, provavelmente, a melhor construção europeia desde a fundação da União e merece ser valorizada e melhorada. Isso passa por não ser vista por políticos como uma política que aplica um terço dos recursos numa atividade que representa 1% da economia europeia, como ouvi João Cotrim Figueiredo referir recentemente num debate eleitoral.
Importa que os nossos decisores políticos percebam que o investimento na agricultura europeia é também um investimento na saúde, na educação, no ambiente e na coesão territorial, que percebam que, para os consumidores alemães, holandeses ou dinamarqueses a PAC não tem a mesma importância relativa que tem para os consumidores portugueses e que percebam que, mais do que um instrumento financeiro, a PAC é um instrumento de justiça social, uma política ao nível do SNS e da escola pública, na medida em que se constitui como um apoio indireto ao rendimento dos cidadãos.
Seria bom – e desejável – que conseguíssemos passar sem ela, era sinal de que os consumidores portugueses podiam pagar o valor justo pela sua alimentação e que o estado tinha ferramentas para garantir uma distribuição igualmente justa ao longo de toda a cadeia de valor (daria um outro artigo), mas importa perceber a sua importância no dia-a-dia de todos nós…é em grande parte a soberania alimentar da Europa e dos Europeus que irá a votos em junho deste ano.
João Bastos