A missa do Domingo era na Igreja paroquial que para lá se chegar se percorria as ruas esburacadas, enlameados ou areadas e “pózendas”, mas como dizia o Santo a fé era como um trator que movia montanhas (não sei se isto é verdade). Uma vez por ano, lá para o Verão eram caiadas as paredes já muito antigas e havia sempre muitos buracos, que davam sempre um aspeto de penúria, pelo que as pessoas, em especial nas quadras festivas, usavam forrar as paredes com papel de jornais ou calendários ou afins. Assim as paredes eram vestidas com esses jornais, tornando-se limpas e airosas, mas não por muito tempo, uma vez que os jornais eram colados com farinha amassada, que também servia de alimento para os ratos, que logo se encarregavam de destruir toda essa decoração e a pintura… claro muitos não sabiam disto, caiavam por cima e lá tapavam as “miséiras” das paredes. Em piquenos quando viamos papéis na parede nos buracos, já diziamos que naquele buraco “já tinham descoberto ali um Tisoiro de moedas d´oiro”. Eram Casas pobres e escuras. Uma vida dura, de trabalho e isolamento, com descanso no “dia consagrado” onde as visitas do padre às vezes falhavam aquando alguém enferma e precisava dumas rezas a troco do jantar Santo o chamado Jantar “chupista ou chulista”.
Há hora da refeição a comida era colocada sobre a mesa, num grande prato fundo (a bacia ou alguidar de esmalte ou mesmo de barro) e cada um, munido de um garfo, ia picando, a parte que lhe cabia em sorte (evidentemente que este processo não era isento de discussões, sobretudo entre os mais velhos e os mais novos que eram garganeiros mas era logo tudo sanado…tava ali o padre cura).
Algumas casas tinham uma pequena sala, cujo mobiliário se resumia a três ou quatro cadeiras, um banco comprido e uma mesa grande, que só era desarredada da parede em dias de festa ou para pôr um miminho nesses dias.
Havia algumas arcas pequenas que eram normalmente utilizadas para guardar toalhas, guardanapos e os talheres mais finos. Havia também a um canto mais húmido ali na cozinha a famosa salgadeira, onde todas as carnes e algum peixe eram ali guardados sob o sal.
Os quartos, sempre insuficientes para toda a família, eram pequenos cubículos gelados, forrados a madeira e papel, sem janelas, com espaço apenas para uma cadeira e um guarda-vestidos e ter uma cama de ferro já era um pequeno luxo. Dormiam aí, em camas de corpo e meio, três e às vezes quatro pessoas, meio vestidas, cobertas por mantas de trapos no Inverno, que estavam sempre frias e húmidas. Os filhos mais velhos alojavam-se como podiam nos palheiros, onde se guardava a palha para os animais.
As ovelhas e carneiros eram, tal como o porco, galinhas, patos, e por vezes um “pirum” eram essenciais na Casa. Ser dono de razoável rebanho significava ter estrume para as fazendas ou o pequeno quintal ali ao lado. Queijo leite para os filhos mais fracos ou doentes, carne para as choriças e nos dias de festa ter uma galinha no forno. Era também através da venda das galinhas coelhos e pombos no fim do Verão e não só, que se conseguia um magro migalheiro para acudir a outras necessidades quando passava a carroça do Mestre Canolho, que comprava e mais tarde os vendia na Praça. Não ter cabeças de gado significava passar ainda mais miséria – faltava dinheiro para comprar um porco, adiava-se a compra de roupa nova, para as festas da nossa terra ou um casamento ou baptizado de alguém de familia ou amigo. Sei que na maioria das gentes da minha geração criavam um ou dois porcos; uma família que não matasse pelo menos um “quixo” não se governava. Hoje? Ter um passarinho em casa…é proibido! Mas vamos lá a uma de “Coltura e recordação de uns lugares que hoje infelizmente já não existem cá na nossa terra”.
É normal que quando escrevo estas simples crónicas sobre factos ou pessoas da” nha terra” já desaparecidas do nosso convivio, vem-me logo à lembrança uma expressão também antiga que foi dita e continua particularmente pelos mais antigos a ser utilizada…Que Deus os tenha lá no seu descanso, e também como esta …Paz à sua alma e etc…etc! Por isso mesmo hoje vou ao desencontro de antigos colegas ou pseudo-ricos de hoje que se esquecem das raízes de onde vieram.
De facto com a receptividade destas mesmas memórias escritas, vai aparecendo e isto tem sido uma terapia de sucesso para a memória de muitos com o que se está a passar de muitos conterrâneos que me vêem contando coisas de A, B ou C. Só é pena não me dizerem os numeros certos para jogar no Totoloto e ver se ganho algum.E já não esquecendo que hoje esses andam a alugar lugares de vivencia outrora a Pessoal do Leste para sobreviverem…foi a politica a culpa disso tudo…depois andam a mendigar o arrendamento no Advogado e gastam, a mensalidade e o arrendamento.
De facto, se há alguém que mais poderá de falar de gentes de Almeirim que em tempos foram a coqueluche de Almeirim onde nos meus tempos, o Café Império e o Clube no Largo do Conde albergava a realeza assim descrita e mais tarde por muitos que afinal a Monarquia e Fachismo mais tarde foram considerados de “tales” e não de “tais”. Sempre existiram os acomodados dos regimes de então, mas não irei como tantos apontarem que foram os maus da fita aqueles que glorificaram Almeirim. Infelizmente as memórias serão sempre curtas.
Convivi com pessoas maravilhosas, cuja educação, para os jovens de hoje em dia, parece piegas. Beijar a mão do avô e da avó e pedir a benção. Deus te abençoe! Onde já vai isso? Bem, felizmente nada disto me foi concedido, mas sei de muitos um pouco mais velhos da minha geração e também mais abastados que o faziam.
Vestir a melhor roupinha no domingo para ir à missa. Confessar, comungar, beijar a mão do padre que muitas vezes a minha mãe dizia para o não fazer porque sabiamos lá onde a mão já tinha andado e sem dizermos nada e ele também, respondiamos em silêncio. Chegando a casa, já teriamos que trocar a roupa por uma mais usada e preparar-me para uma almoçarada com galinha. Pois é, não se dizia frango como hoje, embora na maioria das vezes fosse frango mesmo.
A tarde lá vinha e quem se lembra delas no Verão, eram de facto sonhadoras. Lá tinhamos que vestir novamente as roupas para ir dar uma volta, isto no caso de virmos a Almeirim…! Esta expressão tão usada pelos nossos antigos, que por morarem na Troia, Pupo, poupas ou Nitreira, quando vinham ao centro de Almeirim nesse caso ao Mercado ou à Missa, aprumavam-se, com um bom xaile, e lenço na cabeça a condizer e de cesta na mão ou um talego, lá diziam à vizinha: – Ó c´chopa vou ´AlmeirIm…queres alguma coisa delá???
O amealhar, foi sempre um hábito de gerações independente de ainda hoje se ir fazendo, mas duvido que muito poucos infelizmente o consigam.Talvez dantes e vou agora por aí, o criar uns bicos de capoeira, um porquito, coelhos, um carneiro etc. Dava aquando a matança a hipótese, de se juntar dinheiro, havendo ali comer, não se gastava então, até mesmo uma pequena horta dava para amealhar algum. O governo de uma casa nos anos seguintes á 2ª Guerra, veio ainda mais empobrecer o que de miséria já existia. As famosas sardinhas para 3, um cadito de pão, azeite, umas batatitas, massas, arroz etc., adquiridas pela forma das senhas, que muitos ainda se devem lembrar, veio de alguma forma, ensinar para muitos, o poupar. Para recordar em 1936 numa das grandes cheias, foi oferecido, pão, peixe seco, farinha etc, para aqueles que tinham perdido o que a cheia levou. Comparando as diversões de outrora e o que de supérfulo se gastava, sómente o homem tinha 2 vicios: A Pinga e o tabaquito. A mulher limitava-se por vezes a comprar uns extras, tais como uma bolachinha, uns rebuçados, umas peças de ornamentação para enfeitar uma blusa ou uma saia, um lencito de assoar umas meias e pouco mais. A história antiga de casar com uma mulher alinhadeira e asseada e que soubesse fazer tudo dava de imediato um estatudo de uma real dona de casa e de poupança. Um dos investimentos nos anos 20/50 sem dúvida foi a máquina de costura….
Augusto Gil