Depressa de mais

Esta devia ser a crónica de uma corrida que fiz nos Pirenéus, nas montanhas de Andorra, no dia 24 de Junho. Sim, acho que era suposto ser… Outro daqueles textos onde vos tentaria deslumbrar com a descrição de paisagens incríveis e deixar-vos a cabeça à roda com os números desta prova. E são realmente impressionantes, os números. E as paisagens! Montanha a sério, bem no coração daquela cordilheira que separa França de Espanha, com picos a roçar os três mil metros e aldeias enfiadas em vales fundíssimos. Tentar-vos-ia transportar comigo para as desesperantes e intermináveis subidas, para as descidas tão brutas que me deixavam literalmente as pernas a tremer, far-vos-ia sentir a mesma sede que senti, mesmo bebendo pelo menos 6 litros de água durante as 10 horas que demorei a percorrer os 50km. Sim, ainda comecei a escrever essa crónica, mas não a consegui acabar. 

Imaginem que estão a ver um filme. São 8 da manhã, estou na partida, o ambiente é incrível naquela praça de Ordino. 3, 2, 1 e lá vamos nós! Agora imaginem que se carrega no fast forward. Dez horas de porrada passam nuns segundos e lá estou eu de volta a Ordino. Demolido, pernas rebentadas, a t-shirt que era azul escura está toda pintada de branco pelos sais que fui perdendo pela transpiração. Passo a meta, desligo e relógio e sento-me na primeira sombra que encontro. Está feito, mais uma! Respiro fundo, levanto a cabeça e dou de caras com um casal na esplanada. Ao colo da senhora um bebé que devia ter mais ou menos 1 ano, a idade da minha terceira filha, a Olívia. De repente senti que levei um pontapé no peito com toda a força e, da nada… comecei a chorar! 

A chorar. Eu, que não chorei quando nasceram os meus filhos, quando me casei ou quando o Benfica foi campeão. Aliás, não me lembro da última vez que chorei! Mas descontrolei-me, ao ponto de vir alguém perguntar se estava tudo bem. 

Tem sido estranho. Desde que nasceu a Olívia, mais que nunca, sinto o tempo a escapar-me entre os dedos. Ainda há pouco tempo era uma bebé prematura que cabia, literalmente, numa mão, agora começou a dar os primeiros passos. E os outros dois? Devo ter adormecido ou assim, porque nem me dei conta de como cresceram! Mas porque é que está tudo tão acelerado, isto não andava mais devagar? O que é que eu perdi neste 3 dias que estive em Andorra? O que é que eu perdi nestes últimos 10 anos, com tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo? Isto não anda mais devagar??

Tem sido estranho. Ter filhos é estranho. Eles crescem, nós ficamos velhos. Suponho que é assim que funciona e não há nada a fazer.

Respirei fundo, 2, 3, 4 vezes, até controlar aquela parvoíce de choro. Levantei-me a cambalear, com a medalha ao peito, e fui para casa. Embrulhei aquele turbilhão de emoções, guardei numa gaveta e fiz uma vídeo-chamada para casa. Lá estavam os 3, no arraial do costume. E a Sara a segurar as pontas, como sempre, enquanto eu ando nestas aventuras. Tudo está bem. Normal. Podia era andar um bocadinho mais devagar…

Filipe Torres