Bruna Isabelinha é licenciada em reabilitação psicomotora e mestre em psicomotricidade.
Como surgiu o gosto por esta área? E quando foi?
No ensino secundário, quando se chega ao 12º ano existem optativas, onde surgiu na minha vida, pela primeira vez, a Psicologia. Desde logo fiquei fascinada com as matérias lecionadas. Quando me estava a candidatar ao ensino superior tive em consideração que gostaria de enveredar por uma área que contemplasse tais temáticas, sem ser necessariamente Psicologia. Posteriormente, na minha Licenciatura, escolhi realizar o meu estágio curricular na Fundação Romão de Sousa – Casa de Alba, que é uma comunidade terapêutica para pessoas com perturbação mental e realmente percebi que era exatamente essa a área que me apaixonava, que pretendia continuar a trabalhar e a aprofundar o meu conhecimento.
Desde pequenina que se imaginava a estudar esta área?
Esta área da saúde mental, em específico, não. Em pequenos acabamos por ter sonhos de profissão mais abrangentes. Desde pequena que queria ser médica, tinha um gosto por cuidar de pessoas e fascinavam-me profissões relacionadas com a saúde. Esse foi um sonho que foi permanecendo ao longo da minha infância e que se arrastou até à fase adulta: hoje em dia sou terapeuta e estou numa profissão da área da saúde.
E o artigo agora publicado. Como surgiu?
O artigo publicado foi o culminar do trabalho que realizei no Mestrado. Com a pandemia, os projetos que tinha para desenvolver tiveram que ser todos alterados e acabei por ter que realizar um trabalho mais teórico, neste caso, uma revisão sistemática. Como surgiram resultados importantes, junto das minhas orientadoras, percebemos que seria interessante publicar este trabalho a fim de promover evidência científica sobre a Psicomotricidade e a importância das terapias mediadas pelo corpo na saúde mental.
De que trata?
Hoje em dia, felizmente, cada vez mais começa a ser falada a importância que o corpo tem na promoção do bem-estar. Atualmente, começa a cair por terra a dualidade cartesiana de Descartes, em que o corpo e a mente são tratados como instâncias separadas e distintas. Errado está, pois o corpo e a mente têm uma bidirecionalidade, na medida em que se influenciam mutuamente. No caso das perturbações mentais, ficar somente pela medicação para tentar controlar sintomas psicopatológicos, não é suficiente. O corpo vai ser a sede da expressão do sofrimento mental. Na esquizofrenia, por exemplo, a medicação atua somente nos sintomas positivos (alucinações e delírios), mas ficam muitos outros sintomas, os designados negativos, por tratar. Foi na carência de tratamento para a sintomatologia negativa que foram aparecendo as terapias mediadas pelo corpo, como adjuvantes à terapia medicamentosa. Basicamente, o artigo vem falar sobre o efeito destas terapias mediadas pelo corpo nos sintomas negativos de pessoas com esquizofrenia.
Quais as principais conclusões?
Os resultados apontam que uma boa parte dos sintomas negativos que incluímos no estudo, podem ser reduzidos através de terapias que fazem recurso às artes, onde se incluem música, dança, drama e arte (e.g. desenho, pintura, escultura). A justificação que encontramos para estes resultados, deve-se ao facto de se apostar na exploração de material inconsciente com o auxílio de processos criativos, melhorando assim, a capacidade de expressão do indivíduo. Em perturbações como a esquizofrenia, verifica-se muitas vezes uma dificuldade no dialogo, na verbalização, por isso, há a necessidade de promover experiências corporais que proporcionem, por sua vez, mudanças ao nível das emoções e comportamentos. Sendo a Psicomotricidade uma terapia de mediação corporal que tem por excelência a utilização de mediadores que melhor forem ao encontro das necessidades da pessoa, podemos proporcionar atividades de natureza não verbal, focadas na vivência lúdica e relacional do corpo, com recurso a artes criativas. Desta forma, incentiva-se a expressão e a estruturação psicocorporal da pessoa.
Como correu este trabalho?
Penso que o balanço foi bastante positivo! Este trabalho foi realizado com as minhas orientadoras de Mestrado e deram-me sempre todo o apoio necessário para que este trabalho fosse possível. Ainda para mais, tendo em conta que foi o meu primeiro artigo publicado, ter sido numa revista a nível internacional e com fator de impacto, foi ótimo!
Com a pandemia fala-se mais de saúde mental. Terá sido das poucas coisas boas da covid, concorda?!
Sim, foi um ponto positivo do Covid. Começou-se a falar mais de quadros depressivos e de ansiedade, devido ao isolamento e à perda das rotinas habituais. Contudo, a “normalidade” voltou e esses temas passaram a ser novamente postos de parte. Infelizmente, a sociedade ainda associa muito a saúde mental à loucura e há muito estigma a ser ultrapassado! Desengane-se quem achar que os profissionais de saúde mental, como psicólogos, psiquiatras ou até psicomotricistas que trabalhem nesta área, são exclusivamente para pessoas “maluquinhas”. Qualquer um de nós, em alguma fase da nossa vida, podemos ter o risco de vir a precisar de auxílio devido a algum quadro clínico, sem que sejamos menos pessoas ou capazes que os demais. E não deve haver vergonha nenhuma em reconhecer que se precisa de ajuda, quando assim o é necessário! Costumo fazer a comparação… se partirmos um osso, não temos de ir ao médico tratar? Porquê, então, tratar os problemas da mente, como diferentes dos do corpo? Ambos têm a necessidade de ser tratados e, como referi anteriormente, o corpo e a mente estão sempre interligados, por isso, quando a mente não está bem o corpo dá imensos sinais de alerta.
Quais as maiores preocupações nesta área para o futuro próximo?
A saúde mental abrange uma imensidão de áreas. Não sou conhecedora de toda a informação e, com certeza, cada área em específico terá as suas preocupações. Na minha opinião, preocupa-me o estigma associado à doença mental, preocupa-me a toma de medicação como se fosse a solução final para o problema. A medicação ajuda imenso o cérebro da pessoa a conseguir regular-se melhor, mas se não for conciliado com a(s) devida(s) terapia(s), apenas vai camuflar, digamos assim, o problema. Vai tratando alguns sintomas, mas não a origem do problema. Outra problemática que tenho presente é o facto das redes sociais terem as suas facetas positivas, claro, mas também terem as suas vertentes mais sombrias e negativas. Nas redes, só se posta o que chamo de “vidas perfeitas”: os passeios que se dá, um presente que se ganhou e até fotos do corpo ideal, que por vezes não passa de uma boa posição e ângulo correto. Isto acaba por criar uma certa ansiedade e uma constante comparação desmedida do que o outro tem ou já atingiu na vida e eu não, provocando sentimentos de insatisfação com a vida, com as relações, com o seu corpo. Falando em relações, os humanos são seres naturalmente sociais e as nossas relações interpessoais precisam da presença física, mas o que se verifica é um aumento do isolamento. As pessoas já não procuram o contacto regular como antes, porque sabem que estão à distância de um click. Isto acaba por ser problemático, sobretudo nas crianças e adolescentes que estão a desenvolver as suas aptidões de comunicação e a formar a sua personalidade em volta de um aparelho eletrónico, ao invés da aprendizagem com o mundo que o rodeia. Depois, em adultos, saber lidar com questões emocionais e saberem regular-se emocionalmente, torna-se um desafio. Estas são algumas das minhas preocupações, existirão muitas mais para diferentes profissionais, com certeza.
O que se imagina a fazer nos próximos anos?
A vida é uma caixinha de surpresas e, por vezes, leva- -nos em direções que nem esperávamos! Mesmo assim, tendo em conta a minha realidade atual, espero que nos próximos anos continue a trabalhar enquanto terapeuta na área da saúde mental. Espero continuar a contribuir para a investigação científica e que os resultados do meu doutoramento venham dar continuidade ao que desenvolvi até agora. Para além disso, tenho vindo a lecionar algumas unidades curriculares na Universidade de Évora, por isso, quem sabe, um dia enveredar em carreira de docente. Possibilidades existem muitas, certezas nem tantas. Gosto de ter os pés bem assentes no chão, pensar no “aqui e agora” e ir traçando os objetivos que pretendo atingir com foco e determinação.