Eram 23h10m do dia 31 de outubro de 1929 quando José Mascarenhas Relvas morre na sua Casa dos Patudos, em Alpiarça, rodeado pela sua mulher, familiares próximos e amigos. Ficou para a história como o homem que declarou a República a partir da varanda da Câmara Municipal de Lisboa. Mas este político, empresário, intelectual, que viveria as transformações conturbadas de um país a dar os primeiros passos republicanos, tem uma história de vida marcada por uma ação combativa, quer no plano privado como público.
A assinalar o 93º aniversário da morte de José Relvas, o programa Cultur-Alm convidou dois professores, historiadores e investigadores para uma abordagem desta face menos conhecida do homem que deixou o seu legado ao povo de Alpiarça e conseguiu elevar esta região a concelho. São eles o Prof. José Raimundo Noras, autor da Fotobiografia de José Relvas e cuja tese de doutoramento se debruça sobre esta figura e o Dr. Nuno Prates, especialista em História de Arte e Iconografia Musical da I República, com vários artigos nacionais e internacionais e presenças em palestras sobre José Relvas e a sua Colecção de Arte.
Como referiu José Raimundo Noras, em 1870, com a praga da filoxera a dizimar a vinha em todo o país, os pequenos produtores são os que mais sofrem com as consequências desta praga. A produção desce mas é necessário dar resposta a um mercado. A família de José Relvas era produtora de azeite e de carne para abate mas viria a desempenhar um papel importante no panorama vitivinícola nacional. José Relvas resolve dedicar-se à vinha que concentra nalgumas das suas propriedades, como por exemplo, na região de Alpiarça.
A partir de 1890, e com uma crise de superprodução de vinho que era impossível de escoar, José Relvas participa num movimento agrário de contestação ao governo monárquico para evitar a proibição da vinha e da exportação do vinho. Defendia a proibição da plantação da vinha nos latifúndios do sul que considerava que punha em causa a subsistência dos pequenos produtores, como os que existiam no Ribatejo. Uma outra reivindicação estava relacionada com a produção dos vinhos licorosos do Ribatejo, que competiam com o vinho do Porto, e que os produtores do Douro consideravam uma falsificação.
Com o Douro tinha uma forte animosidade já que José Relvas esteve contra o projeto de salvamento dos vinhos do Douro, o projeto de “ bolchevismo do Estado” que acabaria com os vinhos do sul. Esteve ligado a dois sindicatos – dos agricultores de Alpiarça e de Santarém, na expectativa de aliança entre todos os agricultores da região.Tentou ainda criar a marca “Lisbon Wine”. Outra sua luta foi evitar a produção de álcool de produção industrial.
Nuno Prates considera que esta sua visão empresarial do cultivo da vinha também se encontra associada à cultura. Conhecedor dos mercados de vinhos, cria uma sociedade por quotas – a Adega Regional do Ribatejo com uma loja em Lisboa. Em 1910 é criado um cartaz publicitário alusivo, da autoria de Constantino Fernandes, o pintor responsável por um dos quadros prediletos de José Relvas – As Abandonadas.
José Relvas foi um dos maiores coleccionadores deste país. Para este investigador, a sua função de embaixador em Madrid marca duas etapas distintas na sua coleção. Primeiro, adquire grandes pintores portugueses do naturalismo e depois adquire grandes nomes da pintura. Mas no domínio das artes, os Relvas eram uma família de músicos. José Relvas teve o único “Stradivarius” que existiu em Portugal mas que vendeu para comprar arte. Nuno Prates considera José Relvas um conservador no gosto. Já na política, José Raimundo Noras define-o como um homem preocupado com as grandes questões sociais, um liberal de esquerda na monarquia e na república, à direita de Afonso Costa. O sectarismo e a ditadura das contas certas desiludem-no. Cai o pano sobre a política e sobre a sua vida.
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