A Organização Internacional para as Migrações (OIM) define migrante como qualquer pessoa que se mude ou se desloque através de uma fronteira internacional ou dentro de um Estado longe do seu local habitual de residência, independentemente do seu estatuto legal, do movimento ser voluntário ou involuntário, das suas causas ou da duração da estadia.
Existiam em 2020 no mundo 281 milhões de migrantes (3,6% da população mundial), sendo que 60% destes são trabalhadores, responsáveis por remessas para os seus países acima dos 724 biliões de euros (OIM, 2021).
Na Europa, o número de migrantes em 2020 rondava os 87 milhões, mais 16% que em 2015 segundo a OIM. Já em Portugal, o número de migrantes era, no mesmo ano, de um milhão (Migration Data Portal, 2021), o que representa um crescimento de 265% face a 2008, segundo a Pordata. Na Lezíria do Tejo, segundo os censos de 2021 a população migrante era de 12.276 pessoas, o que representa um crescimento de 35% face a 2008. Já em Almeirim, com base nos mesmo censos, a população migrante era de 1.000 pessoas, com um crescimento de 39% relativamente a 2008.
Verifica-se, assim, que o grau de atratividade de países e municípios tem sobretudo a ver com as condições de vida alargadas, como segurança, oportunidades de trabalho, acesso à saúde e à educação, perspetivas de integração social.
Em Almeirim, é de relevar o excelente trabalho que há quase dois anos tem vindo a ser desenvolvido pelo CLAIM – Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes, em conjunto com a Associação Proabraçar.
Neste período, o CLAIM já atendeu quase 6.500 pessoas, sobretudo originárias da Índia, Brasil, Paquistão e Timor-Leste, nomeadamente na regularização da sua situação em Portugal, na tradução e mediação nas interações com serviços públicos, mas também na saúde, educação e no apoio a grávidas e a jovens mães. As entidades com que tem mantido
relacionamento são a Junta de Freguesia, o SEF, a Segurança Social e a Autoridade Tributária, bem como os Centros de Saúde, a Rede Social e as Escolas do Concelho. De há um ano para cá, o CLAIM disponibiliza igualmente aos migrantes um Gabinete de Inserção Profissional, onde já atendeu quase 800 pessoas, tendo integrado 60 no mercado de trabalho.
Oferecem ainda aulas de português gratuitas, com cerca de 230 pessoas inscritas.
No entanto, apesar deste “centro de boa vontade”, os problemas são volumosos e persistentes. Desde a legalização no SEF à obtenção de um contrato de trabalho justo e duradouro, passando por uma habitação digna, cuidados de saúde, acesso à educação e o peso burocrático dos serviços públicos, tudo é avassalador para alguém que chega sozinho ao
nosso País, que não fala a nossa língua nem conhece os mecanismos de funcionamento social, alguém que muitos de nós continuamos a olhar com alguma reserva.
Todavia, uma das maiores dificuldades que este migrantes enfrentam é na abertura de uma conta bancária. Este aspeto particular, crítico para quem não domina a nossa língua e que precisa de receber a tempo o seu salário, que a maioria dos gestores pagam por transferência bancária mesmo quando de baixo valor, carece de uma atenção especial. Efetivamente,
após a publicação da Lei nº 83/2017, sobre combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, ocorreu um conjunto de alterações no modo de atuação dos bancos, que afetou de forma muito significativa o relacionamento comercial com os clientes em geral e, neste caso, com a população migrante, que pretende iniciar o seu
relacionamento bancário em Portugal.
Sendo um diploma incontornável na segurança financeira de qualquer país, a interpretação que a banca em geral fez desta Lei e o conjunto de medidas de salvaguarda que, sob a égide do Banco de Portugal, decidiu adotar, acaba por se relevar um forte constrangimento para a operativa normal dos clientes com o banco, que afeta sobretudo os de menor
literacia financeira, escolaridade ou, no caso dos migrantes, domínio da língua. Por outro lado, a centralização destes procedimentos, que limita drasticamente a capacidade de intervenção dos balcões, em nada agiliza o relacionamento com os clientes, que passam a ver o banco como um gerador de problemas e não de soluções.
Da análise da Lei até se poderia concluir a simplificação de procedimentos na abertura de uma conta. Efetivamente, os nº 1, 2, 3 e 4 do artigo 25º, 3 relativo aos meios comprovativos dos elementos identificativos, aparentam alguma simplificação de procedimentos incluindo, por exemplo, o recurso à “reprodução do original dos documentos de
identificação, em suporte físico ou eletrónico” ou uma “cópia certificada dos mesmos” (nº 4, a e b).
No entanto, na prática, não é isto que acontece. Caso os serviços centrais dos bancos apresentem dúvidas sobre a legitimidade e fidedignidade dos documentos disponibilizados para abertura de conta, os processos são liminarmente devolvidos aos balcões, para recolha de documentação adicional que confirme a condição do titular. No caso dos migrantes, é nesta altura que as coisas se tornam realmente difíceis, pois a maioria dos bancos exige então ao cliente o título de residência do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), algo que este serviço demora cerca de um ano
a emitir.
A questão do SEF é mais um dos habituais imbróglios da política nacional. Em primeiro lugar, porque num país com uma pirâmide etária praticamente retangular, na qual as gerações mais idosas igualam as mais jovens e a capacidade para repor gerações é cada vez menor, o efeito nefasto sobre a população ativa obriga à importação de mão de obra.
Veja-se, por exemplo, as recentes propostas da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), que em junho pediu ao governo para facilitar a contratação de mão-de-obra estrangeira, como forma de salvar a época turística 2022, uma vez que existia uma falta de 15.000 profissionais no setor. Em segundo lugar, porque após o falecimento do ucraniano Ihor
Homenyuk, em março de 2020 nas instalações do SEF do aeroporto de Lisboa, conjugada com uma lista enorme de maus-tratos a imigrantes à sua chegada a Portugal, o Governo aprovou em abril de 2021 a sua remodelação com extinção do serviço e transferência das sua responsabilidade para o recém criado (à altura) ACM – Alto Comissariado para as Migrações, Polícia Judiciária, GNR e PSP. No entanto, a extinção do SEF tem vindo a ser protelada, tendo sido em abril aprovado pelo Governo um segundo adiamento, em princípio até ao final do corrente ano. Em terceiro lugar porque, quando o nosso País necessita criticamente de mão de obra migrante para fazer face ao crescimento da economia (turismo, agricultura e outros setores), ter uma polícia a efetuar o controlo administrativo e operacional da respetiva entrada tem-se revelado um fracasso, que urge reconverter.
É nesta conjuntura que tudo se parece combinar para causar dificuldades ao trabalhador migrante, que escolhe Portugal para relançar a sua vida laboral. Tratam-se de pessoas com baixa escolaridade, maioritariamente
trabalhadores indiferenciados (OIM, 2021), brasileiros e provenientes dos países do Índo-Pacífico (Índia, Nepal, Paquistão e países limítrofes).
Curiosamente, a Lei 83/2017 inclui, no seu artigo 35º, um conjunto de medidas simplificadas para os riscos comprovadamente reduzidos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. Estas
medidas têm, no caso destes migrantes, um objeto adequado de aplicação, uma vez que se trata de pessoas sem grande escolaridade nem recursos financeiros, que entram no país de forma individual ou com um grupo de outros migrantes com os quais mantêm ligações pessoais e/ou profissionais e que, por isso, manifestam reduzida capacidade para
cometer crimes de natureza económica, financeira ou mesmo de segurança, pois não possuem meios para tal. Mas o clausulado do artigo 35º nunca é aplicado.
Mas porventura a situação mais gravosa prende-se com o artigo 37º da Lei, aquele que versa sobre os países terceiros de risco elevado. Apesar de o diploma não indicar, explicitamente, quais os países que integram este universo indica, no nº 3 do seu Anexo III, quatro tipologias de risco geográfico: países sem sistemas eficazes de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, países com um nível significativo de corrupção ou outras atividades criminosas, países sujeitos a sanções, embargos ou outras medidas restritivas e países que financiam ou apoiam atividades terroristas. A Lei remete a classificação destes países para o GAFI – Grupo de Ação Financeira, criado em 1989 por iniciativa do G7. No entanto, por consulta à respetiva base de dados, verifica-se que nenhum dos países acima mencionados se encontram nas suas listas de risco. Em conclusão, constata-se que os procedimentos efetuados pela maioria dos bancos portugueses ao abrigo da Lei 83/2017, mesmo que no seguimento de instruções objetivas do Banco de Portugal, são excessivos e desadequados para os níveis de risco envolvidos, pecando por excesso na prevenção e tornando-se uma forte constrangimento para os migrantes que buscam em Portugal a sua oportunidade de trabalho.
Para terminar, é de salientar o papel das autarquias. Quer diretamente, através de serviços como gabinetes de apoio ao migrante ou outros, quer indiretamente, através de parcerias com entidades com o CLAIM e a Proabraçar, é fundamental que as autarquias se interessem e movimentem no apoio a estas populações. Os migrantes agradecem e o País também.
Almeirim, 26.09.2022
José Alberto Pereira