O jovem médico, David Pina Trincão, é especializado em imunoalergologia, um ramo da medicina cada vez mais importante na nossa sociedade. Esta área permite prevenir, diagnosticar e tratar vários tipos de alergia, desde os mais jovens até aos mais velhos. Para além da sua área de atividade, David conta como viveu a pandemia, e não afasta a possibilidade de um dia voltar a Almeirim.
David ou Dr. David? Como prefere que o trate nesta entrevista?
Ao longo do meu percurso profissional, já é uma segunda pele ser tratado por Dr. Pina Trincão.
Lida mal com títulos?
Não, na minha atividade estou habituado a tratar toda a gente pelos respetivos títulos; isso não me faz confusão.
Em Almeirim como o tratam?
Sempre bem e com cordialidade.
De onde veio o gosto/paixão pela medicina?
Sinceramente, não me recordo de onde veio. Desde pequeno que me lembro de ser fascinado pelo mundo da medicina e, sobretudo, pelo funcionamento do corpo humano. Já mais tarde, o desejo de ajudar o próximo aliou-se a este interesse científico.
E depois uma especialidade que previne e trata as doenças que comprometem as defesas do organismo e as doenças alérgicas?
Esse já foi um gosto adquirido numa fase de maior maturidade. Durante o meu crescimento, não tinha perceção da existência da especialidade de Imunoalergologia.
Foi na faculdade que me apercebi que o conhecimento nesta área é de vanguarda e o impacto que, cada vez mais, tem na Saúde Humana. Neste ramo, vêem-se patologias pouco conhecidas e, às vezes, até pouco valorizadas mas que vão limitando a qualidade de vida e o número de atividades da população. Tratar estas doenças é ajudar as pessoas a manter a sua liberdade, o que para mim é muito compensador.
Outro apelo que a especialidade de Imunoalergologia tem para mim é o facto de se poder abordar e envolver toda a Família neste contexto, desde o bebé até ao avô, tornando assim o meu papel ainda mais útil.
A Imunoalergologia previne, diagnostica e trata os vários tipos de alergia, que podem afetar vários órgãos e sistemas do organismo, desde respiratório, cutâneo e gastrointestinal.
O bom controlo da alergia permite o saudável crescimento e desenvolvimento das Crianças, atendendo sempre às suas distintas características. Também permite atingir o potencial individual na prática de exercício físico: por exemplo, doenças alérgicas respiratórias, como a asma, não impedem atletas olímpicos de todo o mundo de serem medalhados. Noutros casos, problemas de imagem desencadeados pelo eczema atópico, por exemplo, podem ser debelados. O controlo da alergia permite também melhorar a qualidade do sono, tornando este mais compensador e evitando o excedente cansaço.
Na alergia alimentar, podem ser evitadas restrições alimentares exageradas ou indevidas, minimizando o medo de reações alérgicas graves, com ganho em qualidade de vida.
Na alergia medicamentosa, é possível garantir a populações especiais como os Idosos que podem não evitar medicamentos importantes para o controlo de múltiplas patologias de base.
Num grupo selecionado de pessoas, para o qual tenham indicação, a imunoterapia específica a alergénios é um modificador importante da doença alérgica, reduzindo de forma muito significativa a necessidade de medicação diária, bem como o risco de complicações a longo prazo.
Existe também oportunidade de tratar situações pouco valorizadas, igualmente merecedoras da nossa atenção. Falo, por exemplo, de pessoas que estão sempre constipadas, julgando que isso é normal
Almeirim é uma boa cidade para se viver neste capítulo ou não? Há por vezes algumas queixas por termos muitos plátanos?
Sei que sou parcial, mas Almeirim é uma cidade onde se consegue viver com uma excelente qualidade de vida. É pouco poluída, com espaços amplos, bastantes acessos a bens e serviços, e uma proximidade inegável aos principais grandes centros urbanos, nomeadamente Lisboa.
Em relação à presença de plátanos: ao contrário do que geralmente se crê, a alergia ao pólen de outras plantas, como as gramíneas ou a parietária, é muito mais importante do que a alergia àquela árvore. Como o pólen desta é maior e mais visível do que outros, é-lhe atribuída frequentemente a causa de alergias respiratórias. O que se passa é que, na maior parte das vezes, são causadas por outras espécies. Não nos podemos esquecer que, para além dos pólenes, existem também fungos, que esporulam e também podem causar alergias respiratórias importantes.
Qual foi o percurso depois de terminar o curso?
Formei-me na Faculdade de Medicina de Lisboa, no Hospital de Santa Maria.
Complementei a minha formação com três semestres na Universidade e Clínica Universitária de Leipzig, Alemanha, por forma a conhecer a realidade internacional.
Após o curso, realizei o Ano Comum no Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro, onde tive a oportunidade de melhor conhecer a realidade nacional fora dos grandes hospitais centrais.
Realizei a minha formação específica em Imunoalergologia nos antigos Hospitais Civis de Lisboa, com parte realizada no Hospital de São José e a formação em Pediatria no Hospital de Dona Estefânia.
Um dia quer voltar e fixar-se em Almeirim?
Almeirim, sendo a minha terra natal, estará sempre no meu coração e nos meus planos.
Falamos da falta de médicos. Mas nunca se fala dos muitos anos de formação que têm?
Sim, a maioria da população não tem a perceção que para se formar um médico especialista são necessários cerca de 12 anos de formação intensiva e extremamente exigente, com muitas etapas de avaliação, desde o final do ensino secundário. Mesmo depois de concluída a especialidade, a formação de um médico é contínua até à sua reforma, pois trabalhamos numa área em constante atualização. Considero que estar atualizado é crucial para o bom desempenho. Também é verdade que nem toda a gente se sente motivada para investir tanto na sua formação profissional e parte dos que o fazem acabam por tomar outras opções de vida. Estes constituem fatores que contribuem para o problema que se verifica com os recursos médicos existentes.
Entrou com que média?
Sinceramente, não me recordo, mas foi alta. (Risos)
Desde o 10.º ano que disse que queria ter uma média destas?
As médias não eram o meu principal objetivo. Na realidade, gostava de aprender, resolver questões e desenvolver espírito crítico. A média foi acontecendo naturalmente.
Do que se privou para ter notas tão boas?
Não sinto que me tenha privado de nada. Era um miúdo com curiosidade nas aulas, que estava atento e aprendia. O resto era consequência disso.
Deixe-me falar também da Covid. Como tem lidado com dois anos de pandemia?
Tem sido muito exigente para todos, no meu caso, quer a nível profissional, quer a nível pessoal.
A nível profissional, para além de todas os constrangimentos que a pandemia trouxe, a Imunoalergologia teve ainda que lidar com tomadas de decisão relativas à vacinação contra a COVID-19 de uma parte significativa da população, que, pelos seus antecedentes clínicos, levaram ao levantamento de dúvidas perante a administração da mesma.
Este tem sido um trabalho de grande responsabilidade e de grande pressão, levando a muito cansaço.
Acha mesmo que o pior já passou?
Como todos nós, quero acreditar que sim. Contudo, nunca é por demais recordar que as decisões em Saúde obedecem obrigatoriamente a evidência com base em Ciência, e que, como tal, devem ser atualizadas sempre que seja demonstrada a melhor eficácia possível. A comunidade científica é idónea e baseia sempre a sua atuação dentro de processos científicos exigentes, envolvendo, obrigatoriamente, peritos em diversas áreas.
Chegou a estar na primeira linha?
Bom, com a questão da tomada de decisão em relação às vacinas considero que ainda estou na primeira linha. Neste momento, sinto que a exigência neste contexto continua tão elevada como nos primeiros tempos da pandemia, período em que tive de trabalhar várias semanas consecutivas, sem pausa senão para dormir, por forma a acompanhar o esforço extra que nos foi pedido.