Versos de “mau” Humor saem do manuscrito para livro lançado este mês

Aos (quase) 70 anos, Rogério Martins, nascido nas Fazendas de Almeirim, reformado da construção civil e apenas
com a escola primária, tornou-se um caso sério e interessante das letras populares. Versos de humor, sátira, crítica, os manuscritos do Complemento I vão ser lançados em livro durante o mês de maio – “Di..versos e diversas histórias de Mau Humor”, uma edição da Câmara Municipal de Almeirim.
Ocupa, a meias com a mulher, a garagem que foi transformada em atelier, o local onde produz arte através de cenas do quotidiano. O Almeirinense foi espreitar e perceber como uma combinação de várias expressões artísticas pode caber num só livro.

O que começou primeiro? A poesia ou o desenho?
Em criança gostava de fazer trocadilhos com a as palavras e gostava de fazer coisas abstratas nas telas mas nunca pude enveredar pelas artes porque a vida não era fácil e tínhamos que nos sustentar. Trabalhei sempre mas, cá dentro, tinha sempre o bichinho da escrita. Eu sabia que havia de fazer alguma coisa dentro desta área mas não sabia bem o quê. Agora tenho todo o tempo do mundo.

Como aparece esta ideia dos papiros para contar as histórias?
Quando comecei a escrever a histórias, achei que podia fazer tudo mais giro, para lá do papel em branco. Usei a tela para escrever e fazer ilustrações. Mas ficava muito caro. Usei depois cartolina. Achei que não era ainda aquilo que eu queria. Gosto de livros antigos, do papel envelhecido…comecei a improvisar e cheguei a este formato que imita os papiros.
Comecei então a construir o livro, também envelhecido. Tenho o Complementos I, o II e o III onde coloquei também todos as histórias dos papiros. Mas os livros têm mais histórias. Um dia, peguei nas coisas e fui mostra-las à Câmara. Gostaram e agora vai ser editado um livro.
Vamos ver como correm as coisas… Já tenho muita coisa sobre o Covid.

Éramos uns completos ignorantes. Fizemos a revolução e nem desconfiávamos. Estávamos a cumprir ordens para ir

E escreveu sempre com esta ironia?
Sim. (Risos) Eu sou muito introvertido. Só com o lápis e a caneta é que consigo expressar o que sinto. Inspiro-me em histórias de vida, da minha vida também e brinco com elas. A vida é a minha musa.
Pego em situações caricatas que acontecem (ou se não o são, eu transformo-as) e faço humor, dou-lhes ironia… Muitas vezes são desenhos ou caricaturas que me levam a escrever os versos.

E o tempo que leva a fazer estas “peças”?
Muito! Não sei contabilizar porque perco a noção do tempo. Chega a ser o dia todo. Às vezes acordo a meio da noite e vou para o atelier. Durmo e sonho a pensar nestas coisas. Há dias que não sai nada. Tenho outros em que uma caminhada, as pedras da calçada, uma ida ao Centro de Saúde, tudo serve de motivo para uma história.

De onde lhe vem esta veia artística?
Acho que do meu pai. Só que o meu pai não sabia escrever mas tudo tinha muito humor. Depois o meu filho é designer. Vive em Lisboa. Foi ele quem me incentivou a fazer isto tudo. Eu tive uma depressão e isto ajudou-me a passar por tudo. Tanto o meu filho como a minha mulher gostam do que eu faço…não são de dizer muito mas…

Uma das suas inspirações é o Salgueiro Maia e o 25 de Abril. Como é que se dá este encontro?
Fui militar na Escola Prática de Cavalaria de Santarém e eu acompanhei a coluna militar do Salgueiro Maia a Lisboa, na madrugada de 25 de abril de 1974. Fui a conduzir uma camioneta, uma Mercedes, MG-76 – 08… ainda me lembro da matricula .

Quando saíram de Santarém, na coluna militar, sabiam ao que iam?
Não. Não sabíamos de nada. Éramos uns completos ignorantes. Fizemos a revolução e nem desconfiávamos. Estávamos a cumprir ordens para ir. Só lá é que nos apercebemos do que estávamos a fazer.
Pelas três da manhã fomos chamados a formar na parada. Disseram-nos que íamos salvar Portugal e quem quisesse ficar, que saísse da formatura. Dito assim, fomos todos.
Chegamos a Lisboa, por volta das cinco e meia da manhã: eu e mais uma molhada de guerreiros fomos para a zona do Banco de Portugal. Depois fomos para o Quartel do Carmo. Eu andei a transportar os bidões de combustível para os carros, a partir de Xabregas. Há uma história engraçada de um instruendo a quem a arma encrava e vem pedir a minha. E eu emprestei (risos) ….se precisasse de disparar não podia!
É para ver a nossa experiência! Escrevi a história do 25 de abril com amor pela pátria, e com humor.

Que situações são as mais inspiradoras?
As que me marcaram mais desde criança. Uma infância da qual não tenho muitas saudades… muitas dificuldades! Imagine que nem água canalizada havia. Não havia dinheiro para o vestir.
Coisas simples que hoje em dia são perfeitamente “normais” mas que na altura não havia, ou se havia, não se podia lá chegar. Naqueles tempos não se vivia; sobrevivia-se!

Entrevista de Teresa Sousa