Foi já no ocaso do aziago ano 2020 que teve lugar um dos muitos episódios
lamentáveis que o ano passado nos ofereceu, este com palco na Herdade da
Torre Bela. O massacre de 540 espécies cinegéticas na reserva da Azambuja foi dos poucos assuntos capaz de criar um consenso nacional, neste caso de condenação, em torno do sucedido, mantendo-se a tradição de 900 anos de geração de consensos na sociedade portuguesa quando o assunto envolve espanhóis.
Passando à frente da espuma de indignação que o caso justificadamente mereceu, importa que o evento não caia no esquecimento antes de serem apuradas todas as responsabilidades, nomeadamente dos que não perderam tempo para se virem assumir como campeões do bem-estar animal. Se na sequência do incêndio em Santo Tirso, o Ministro do Ambiente não perdeu tempo para vir necrofilicamente reclamar para o seu ministério a tutela do bem-estar dos animais de companhia, agora não perdeu a oportunidade de vir lançar umas generalidades absurdas sobre a atividade da caça. Mas era à guarda jurídica deste ministério que estava confiado o bem-estar dos animais da Torre Bela, o mesmo ministério que a partir deste ano tutela o bem-estar dos animais de companhia. Era a este ministério que tinha sido reportada a venda àquela propriedade de 550 selos para abate de javalis e veados em janeiro de 2020, assim como foi este ministério que sabia que o único pedido feito nesse ano para a realização de uma montaria naquele espaço foi precisamente para os fatídicos dias 17 e 18 de dezembro, cerca de um mês antes de ser findado o período de consulta pública para a instalação da central fotovoltaica projetada para aquela propriedade, previamente aprovada por este ministério.
Depois do horror, o que fica é mais um rasto de devastação e de perda de biodiversidade em nome da transição energética “justa” (será mais ajustada para a carreira política de Matos Fernandes do que justa para a fauna e flora da Torre Bela), como bandeira de uma política ambiental que, ironicamente, se coloca em oposição à exploração racional dos recursos naturais do país. É em nome desta política sem estratégia que se deformam os perfis das montanhas à cata do lítio dos sopés e das brisas das encumeadas, que se matam e desmatam espécies animais e vegetais autóctones por danarem as energias limpas, que se tiram as vacas dos campos transformando as áreas de pastoreio em áreas de elevado risco de incêndio florestal e que se intoxicam terrenos e massas de água com fertilizantes inorgânicos por puro preconceito ideológico em relação aos fertilizantes orgânicos. São políticas orientadas para metas, mas desprovidas de planeamento, gizadas num gabinete do Príncipe Real, do agrado de Bruxelas, mas hostis ao mundo rural. O combate às alterações climáticas é emergente, mas nunca será bem-sucedido enquanto não for enquadrado numa abordagem holística que combata, ao mesmo tempo, a desertificação e a crise demográfica. Seguramente que essa estratégia não
será compaginável com o desprezo pelo interior do país.
João Bastos
Engenheiro Zootécnico
Artigo de opinião publicado na edição impressa de 15 de janeiro de 2021