Conceição Pereira, presidente do agrupamento de escolas de Fazendas de Almeirim, explicou os desafios que o coronavírus trouxe para o ano letivo passado e contou sobre as mudanças para o ano letivo 2020/2021.
Como se adaptou o Agrupamento de Fazendas à paragem de aulas presenciais? Para a Diretora do Agrupamento foi quase igual ao que acontecia antes?
O ensino à distância foi uma modalidade que foi necessária e, acredito, a
melhor resposta no contexto de confinamento devido à pandemia por COVID-19. No entanto, nunca será igual ao ensino presencial. O ensino precisa da presença física, da proximidade entre professor e alunos, dos “olhos nos olhos”, das conversas de final de aula individualizadas para conhecer cada aluno e as suas problemáticas e expetativas, do toque de uma mão no ombro para dizer ao aluno “tu consegues!” ou “está tudo bem contigo?”. Os professores, tantas vezes psicólogos, tiveram o seu trabalho muito dificultado pela barreira de um ecrã, às vezes preto, no caso dos alunos que optavam por não mostrar a sua imagem. A relação pedagógica que se estabelece entre professor e alunos é uma condição importante para a aprendizagem. Para não falar da importante função de socialização da escola na vida das crianças e dos jovens. A escola, para além de ensinar, é, a par da família, um local do seu crescimento enquanto indivíduos sociais e cidadãos. E isso fica sempre comprometido com a barreira da distância física.
Os professores adaptaram-se bem? E os alunos?
A adaptação de uns e outros foi extraordinária. Os professores do agrupamento foram capazes de se adaptar a condições de trabalho novas e exigentes de forma rápida e reveladora de muito profissionalismo, facto que será sempre um motivo de orgulho para mim e, acredito, para toda a “comunidade AEFA”. Sem qualquer reserva, com espírito de classe e dedicação notáveis, iniciaram o ensino à distância imediatamente a seguir ao encerramento das escolas. Também os alunos, no geral, corresponderam rapidamente às exigências da nova modalidade de ensino. E não posso deixar também de valorizar o papel de retaguarda das famílias neste processo, já que a sua colaboração foi imprescindível neste momento difícil da nossa vida comunitária.
Que balanço faz da implementação do Plano de Ensino à Distância no agrupamento?
O balanço é muito positivo. Acredito que correu bem porque o plano que implementámos foi um plano ponderado, equilibrado entre aulas síncronas por videoconferência e atividades autónomas assíncronas em todos os ciclos do ensino básico, e com definição de abordagens diárias também para a Educação Pré-escolar. Era um plano que estava perfeitamente enquadrado nas orientações emanadas pelo Ministério da Educação, previa as formas de comunicação Escola-Aluno/famílias e tentava respeitar os ritmos de aprendizagem e a gestão do tempo e dos equipamentos tecnológicos no seio das famílias. Durante a implementação do plano fizemos questionários de satisfação à comunidade docente, discente e aos encarregados de educação, nos quais obtivemos taxas de satisfação muito elevadas, o que, juntamente com outros feedbacks recebidos, nos deixou bastante confortáveis com o nosso trabalho. É claro que não vou ser modesta ao ponto de não sublinhar que o sucesso não foi também alheio à forma como eu e a minha direção concebemos e organizámos o Plano de Ensino à Distância do Agrupamento, que previa especificamente a elaboração de planos de trabalho semanais/quinzenais e a realização de aulas síncronas diárias por videoconferência, do 1º ao 9º ano de escolaridade. O estabelecimento de canais de comunicação assíncrona com as famílias (correio eletrónico, chats, página web do agrupamento, telefone, moodle) também foi, desde logo, uma condição importante para que tudo corresse bem, desde a educação pré-escolar ao 3º ciclo.
Quais as maiores dificuldades?
Uma das maiores dificuldades foi garantir que a Educação chegasse a todas
as casas, para que todos os alunos continuassem a realizar aprendizagens e
que nenhum aluno ficasse para trás por estar excluído do contacto diário com a Escola. Por isso, uma das nossas primeiras ações foi a de identificar os alunos sem conetividade, por não terem equipamento e/ou internet em casa. Fizemos o levantamento e cerca de 10% dos alunos não tinham computador em casa para poderem usufruir das aulas e para comunicarem com os professores e realizarem trabalho autónomo. Inicialmente, garantimos o contacto e o trabalho letivo a estes alunos através da criação de um circuito quinzenal de entrega de materiais pedagógicos elaborados pelos professores e posterior recolha dos trabalhos dos alunos. Um assistente operacional ficou com esta atribuição de ir às casas desses alunos, com uma carrinha da Junta de Freguesia de Fazendas de Almeirim. Fazia, nas voltas que tinha que dar, uma média de 60km. Entretanto, no início do 3º período, com a colaboração do Município de Almeirim, a questão ficou sanada através do empréstimo de tablets, computadores
portáteis e internet àqueles alunos, à exceção de casos pontuais
(nomeadamente por vontade expressa dos pais), para os quais continuámos a fazer o circuito escola-casa. Houve ainda casos de alunos e famílias que foi difícil contactar inicialmente por outras razões, nomeadamente algumas
situações de desestruturação familiar. Nesses casos, contámos também com a colaboração da CPCJ e da EMIC (Equipa Multidisciplinar de Intervenção Comunitária). É de realçar que, também aqui, como em todo o processo de Ensino à Distância, o papel dos professores titulares do 1º ciclo e dos diretores de turma de 2º e 3º ciclos foi fundamental. Foram o elo de ligação principal entre a escola e as famílias, tendo mantido
sempre uma presença constante junto destas.
Houve muitos alunos a não irem a qualquer aula?
Conforme já adiantei, foi nosso ponto de honra que nenhum aluno do agrupamento ficasse sem acesso à educação e ao ensino. Fruto do esforço coletivo de todos e com a colaboração de entidades parceiras, a generalidade assistiu de forma assídua às aulas por videoconferência (através da plataforma Zoom) e todos, de uma forma ou de outra, puderam
acompanhar os planos de trabalho semanais / quinzenais que eram
propostos pelos professores.
Como estão a preparar o novo ano letivo?
A organização do novo ano letivo encontra-se em bom andamento. Também
neste âmbito, o clima de entreajuda, cooperação e o trabalho colaborativo entre os docentes é uma mais-valia importante no agrupamento que dirijo. Durante o mês de julho, invariavelmente, toda a comunidade docente do agrupamento é envolvida no encerramento do ano letivo vigente e na preparação do ano letivo seguinte. Foi o que fizemos mais uma vez este ano. E fizemo-lo presencialmente, obviamente, no respeito pelas medidas e regras constantes no nosso Plano de Contingência para a COVID-19. De entre uma série de tarefas de final de ano letivo, algumas delas meramente administrativas, destaco as relacionadas com as matrículas, a constituição de turmas, a planificação do ano letivo, a elaboração do Plano Anual de Atividades 2020-21, a elaboração do relatório anual de Autoavaliação Institucional, a revisão do Plano de Contingência para a COVID-19, a revisão do Regulamento Interno do agrupamento, etc. Depois de o pessoal docente entrar de férias, durante o mês de agosto, com o apoio da minha subdiretora e adjuntas, distribuí o serviço docente, fiz a requisição de professores para o próximo ano letivo, assim como ultimei outros assuntos e procedimentos para que o ano letivo se inicie com a necessária normalidade.
As escolas do agrupamento de Fazendas estão preparadas para o novo ano letivo?
Naquilo que são as nossas atribuições, estamos preparados. Mas não vou negar que tenho sempre receio de iniciar o ano letivo sem professores. A falta de professores começa a ser um problema nacional preocupante que nos ultrapassa. O que podemos fazer é esperar que tudo corra bem.
Este ano também a gestão das questões e procedimentos relacionados com os manuais escolares não tem sido fácil na sequência dos problemas que surgiram no Portal das Matrículas. Preparámos ainda o investimento, a implementar no próximo ano letivo, em melhorias digitais ao nível das aplicações de gestão administrativa e de apoio à prática pedagógica (E360, GIAE V5 e Office 365). Vamos também implementar um projeto de intervenção em avaliação a partir do próximo ano letivo, concebido no âmbito da formação do Projeto Nacional “Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica (MAIA)”, projeto do Ministério da Educação, coordenado pelo prof. doutor Domingos Fernandes. Relativamente à ameaça pandémica, como preparação para eventuais surtos de COVID-19 no regresso às aulas presenciais, como já disse, atualizámos o Plano de Contingência para a doença, efetuámos concurso para aquisição de equipamentos e produtos de proteção (máscaras certificadas, solução antissética, etc) no seguimento da atribuição de verba pelo Ministério da Educação, elaborámos um plano que prevê o protocolo e os mecanismos de ação necessários à implementação dos regimes presencial, misto e não presencial, no cumprimento dos pontos 5 e 6 do capítulo III do documento emitido pela DGEstE “Orientações para a Organização do Ano Letivo 2020/2021”, de 3 de julho. Neste âmbito, efetuámos alterações aos critérios para organização dos horários dos alunos, no sentido de evitar a concentração de alunos nos espaços, assim como alargámos a distribuição de salas base a todas as turmas do agrupamento e desfasámos, na medida do possível, os tempos para usufruir de intervalos no recreio e os tempos de almoço, entre outras.
Já sabe como vai funcionar?
De acordo com as orientações que temos, é uma certeza que vamos iniciar
o ano letivo com aulas presenciais. O objetivo, que é também o nosso desejo, é que possamos mantê-las durante todo o ano letivo. Seria bom sinal. Por isso é que atualizámos o Plano de Contingência para a COVID-19 a ser aplicado em todos os estabelecimentos de educação e de ensino e por isso é que insistiremos, junto das crianças e jovens, na importância da leitura atenta do documento e do cumprimento das medidas e regras aí previstas. No entanto, por indicação da tutela, elaborámos um plano B (regime misto) e um plano C (regime não presencial). De qualquer forma, foi-nos dito que a decisão de passar para um destes planos será sempre da autoridade de saúde competente com quem o Ministério da Educação articulará perante algum foco da doença que surja na comunidade escolar.
Corremos o risco de no inverno voltarmos todos para casa?
Eu quero, muito honestamente, acreditar que não. O país não pode parar novamente. A economia não pode parar, sob pena de pagarmos isso bem caro. Se todos cumprirmos com as medidas de prevenção e controlo da doença, poderemos continuar a conter a propagação do vírus e a limitar o perigo que pode encerrar para os nossos entes queridos mais vulneráveis, particularmente os nossos idosos. O ideal será fazermos isso, mantendo alguma normalidade nas nossas vidas.
Vamos em breve ter obras de remoção do amianto. Acha que peca por tardia esta decisão?
Não creio que seja tardia, na medida em que penso que a localização do amianto na EB23 de Fazendas de Almeirim não compromete a saúde dos seus utentes. Não percebendo nada desse assunto, o que penso saber é que o amianto não é prejudicial à saúde se estiver incólume e longe dos locais frequentados por pessoas. Além disso, também sei que as decisões executivas, nomeadamente as dos autarcas, nem sempre podem ser tomadas quando se quer, principalmente as que envolvem verbas avultadas, como é o caso.
Sente saudades da sala de aula?
A não ser num determinado período, no final da adolescência, em que cheguei a pensar fazer Direito e ser juíza (e até tinha média para isso!), sempre quis ser professora. Acho que é uma profissão muito bonita, embora nem sempre reconhecida e cada vez mais difícil. Não é à tua que os jovens já não querem ingressar em cursos de ensino, nem é à toa que já se comece a sentir a falta de professores nas escolas. Mas respondendo à sua pergunta: às vezes sinto algumas saudades. Por isso é que, durante alguns anos ainda conciliei a lecionação de uma turma com o cargo de diretora. Mas também me sinto realizada enquanto diretora. Gosto de dar o meu melhor na liderança de um agrupamento que sei que ajudei a construir tal como é hoje e de cujos sucessos e percurso me orgulho muito. Por isso, enquanto puder e sentir que a comunidade confia no seu trabalho, manter-me-ei nestas funções. Depois, volto à sala de aula, feliz, com o sentimento de dever cumprido e com um conhecimento muito mais profundo da realidade do ensino e muito mais consciente da nobre missão de ensinar.
O que se imagina a fazer quando deixar o agrupamento de Fazendas de Almeirim?
O futuro o dirá, mas neste momento, não perspetivo a hipótese de deixar o Agrupamento de Escolas de Fazendas. Por agora, mantenho-me como diretora, e depois voltarei para as salas de aula do agrupamento.
Entrevista publicada na edição impressa de 15 agosto