No sétimo domingo continuamos a meditar o sermão da montanha, o coração do Evangelho de São Mateus, em que Jesus apresenta a Nova Aliança que vem inaugurar em continuidade e perfeição da Antiga, do tempo de Moisés. Esta constituiu, na altura, um passo importante no progresso religioso, moral e humano. Por exemplo, a lei do talião (da vingança), ao determinar “olho por olho e dente por dente”, coloca um travão à sede de vingança desmedida que então e em todos os tempos, incluindo o nosso, é a tentação de muita gente. Moisés, porém, coloca um freio à retaliação estabelecendo uma proporção que parece justa: “olho por olho e dente por dente”. Mas a lógica de Jesus é diferente: rejeita qualquer espécie de vingança pois a única força que pode vencer o mal é o bem. Nesta lógica do amor, traduzido na misericórdia e no perdão, se entendem as outras imagens que parecem sugerir passividade (dar a outra face, dar o manto também quando querem tirar-nos a túnica, acompanhar mais tempo do que o exigido) mas são uma maneira vigorosa de afirmar que só pelo bem se pode romper a espiral da violência e recuperar o adversário.

2. Parece claro, mas não é fácil de praticar. Ainda hoje o desejo de vingança cega as pessoas e leva-as a ultrapassar a lei do talião. Dar a face a quem nos fere? Amar os inimigos? Não será pedir demais? No final do texto vem referida a fonte que nos faz entender estas propostas: “Sede perfeitos como o Pai do Céu”; ou, na lei de Moisés: “Sede santos porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (1ª leitura). Esta deve ser a referência que rege a nossa forma de ver, pensar e agir. Porque somos filhos de Deus, habitados pelo Espírito Santo e discípulos de Jesus, devemos amar na medida de Deus. É nesta lógica que devemos amar os inimigos e rezar por quem nos quer mal. Só assim superamos a justiça dos escribas e fariseus e merecemos ser chamados filhos de Deus que reparte os seus bens (o sol e a chuva) sobre todos, bons e maus.

3. Deus é a principal referência da pessoa humana. Sem Deus as referências desmoronam-se. Por isso é importante que os pais e educadores crentes, que se preocupam em transmitir referências aos mais novos, façam apelo à memória de Deus, gravada no nosso íntimo, como imagem da bondade, da verdade e da beleza. A imagem de Deus tornou-se visível e concreta em Jesus Cristo, sol que ilumina o nosso caminho, “guia da nossa fé e autor da sua perfeição” (Heb 12, 2). Por sua vez, os santos e os autênticos discípulos de Jesus tornam ainda mais próximo e acessível o caminho cristão da santidade. Não nos faltam testemunhas nem ajudas para crescer na perfeição e ajudar outros a crescer.

No mundo atual, parecem recuar os valores que são a marca do progresso moral e humano como a verdade, a liberdade, a igualdade e a fraternidade “Que beleza salvará o mundo”, perguntava Dostoievsky. E respondia este grande escritor russo convertido à fé: o amor de Jesus Cristo é a força que poderá salvar o mundo. Se nortearmos a nossa vida pela perfeição do amor de Deus, podemos colaborar na salvação do mundo.

D. Manuel Pelino – Bispo Emérito de Santarém