Conheci o João Queiroz numa ação de formação na Ordem dos Advogados. Ambos oriundos da província, advogados em prática individual, houve entre nós uma empatia natural. Acabada a formação, trocámos telefones e moradas e, cada um foi à sua vida. Eis que, passados uns meses, recebo uma chamada do João pedindo a minha colaboração na resolução de um complicado e complexo prolema de partilhas. Pedia-me o João que me deslocasse ao seu escritório para ouvir os herdeiros. Em dia aprazado, lá me desloquei ao escritório do João para ouvir os herdeiros desavindos. Concluí que a complicação era o modo como seriam compostos os quinhões, pois existiam para partilhar bens móveis, imóveis, jóias de família e dinheiro. A complexidade era derivada do regime de bens do casamento do falecido, de alguns dos herdeiros estarem em representação de herdeiros já falecidos, havendo ainda a concorrer à herança irmãos germanos , consanguíneos e uterinos. Explicado o processo de partilha, ficou o Dr. João encarregado de proceder à composição dos quinhões nas respetivas proporções, após ouvir um perito avaliador. Terminada a reunião com os herdeiros, notei que o João tinha pendurado na parede um quadro que emoldurava uma foto de um cesto com uma quantidade de ovos. Pensei tratar-se de uma foto de algum fotógrafo famoso e que a minha ignorância na área me impedia de identificar. O João, vendo a minha curiosidade esclareceu-me! Sabes o que é isso? Claro que não, respondi. Isso é a foto dos meus primeiros honorários; e continuou: sou de uma aldeia vizinha, e quando abri o escritório, nesse fim de semana visitei a minha mãe que já tinha espalhado aos quatro ventos que o filho era advogado. Mal cheguei, a Dª Adosinda, vizinha da minha mãe, apareceu com um papel na mão em completo estado de aflição. Era uma carta admonitória de um agente de execução que ameaçava penhorar bens da devedora se não fosse paga determinada quantia a uma operadora de telecomunicações. Verifiquei de imediato que a dívida estava prescrita e disse à Dª Adosinda que sossegasse, pois nada tinha a pagar. Pobre como era, ainda teve a gentileza de perguntar quanto devia ao advogado. Claro que nada cobrei; ela quase me beijou as mãos. Após mais duas semanas sem a presença de qualquer cliente no escritório, voltei a visitar a minha mãe. Eis então que ela me apresentou um cesto com uma dúzia de ovos dados pela Dª Adosinda como forma de retribuir o serviço prestado. Meio atrapalhado, recebi o cesto com os ovos, e no regresso não sei se me apeteceu rir ou chorar. Resolvi rir, fotografei o cesto e mandei fazer a moldura que está pendurada como recordação dos meus primeiros honorários. De regresso, dei por mim a confirmar a angústia de tantos colegas desesperados: na advocacia, como em qualquer outra profissão, há os que ganham bom dinheiro, os que ganham pouco e os que mal ganham para as despesas do escritório.
Fiquem bem, de Pampilho ao Alto.